sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Kierkegaard - Dicionário de Filosofia ABBAGNANO, Nicola

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.1014 p





 Nesta postagem foi pesquisado apenas a palavra  Kierkegaard de A -Z no dicionário de Filosofia.

Kierkegaard (1813-1855)
Werke = Gesammelte Werke, trad. ted. E. Hirsch,
1957 ss. 



A - 

ADMIRAÇÃO (gr. ©auuáÇeiv; lat. Admiratio;
in. Wonder, fr. Admiration; ai. Bewunderung,
Staunen; it. Ammirazione). Por sua vez, Kierkegaard definia a
A. como "o sentimento apaixonado pelo devir"
e a reputava própria do filósofo que considera
o passado, como um sinal da não-necessidade
do passado. "Se o filósofo não admira nada (e
como poderia, sem contradição, admirar uma
construção necessária?), é por isso mesmo estranho
à história, já que, onde quer que entre
em jogo o devir (que certamente é no passado),
a incerteza do que seguramente se transformou
(a incerteza do devir) só pode exprimir-
se por meio dessa emoção necessária ao
filósofo e própria dele" {Philosophische Brocken,
p. IV, § 4).


ANGÚSTIA (in. Dead; fr. Angoisse, ai. Angst;
it. Angoscia). No seu significado filosófico, isto
é, como atitude do homem em face de sua
situação no mundo, esse termo foi introduzido
por Kierkegaard em Conceito de angústia
(1844). A raiz da A. é a existência como possibilidade
(v. EXISTÊNCIA). AO contrário do temor
e de outros estados análogos, que sempre se
referem a algo determinado, a A. não se refere
a nada preciso: é o sentimento puro da possibilidade.
O homem no mundo vive de possibilidade,
já que a possibilidade é a dimensão do
futuro e o homem vive continuamente debruçado
sobre o futuro. Mas as possibilidades que
se apresentam ao homem não têm nenhuma
garantia de realização. Só por piedosa ilusão
elas se lhe apresentam como possibilidades
agradáveis, felizes ou vitoriosas: na realidade,
como possibilidades humanas, não oferecem
garantia alguma e ocultam sempre a alternativa
imanente do insucesso, do fracasso e da
morte. "No possível tudo é possível", diz Kierkegaard,
o que quer dizer que uma possibilidade
favorável não tem maior segurança do
que a possibilidade mais desastrosa e horrível.
Logo, o homem que se dá conta disso, reconhece
a inutilidade da habilidade e diante de si
só tem dois caminhos: o suicídio ou a fé, isto é,
o recurso a "Aquele a quem tudo é possível". A
A. é, segundo Kierkegaard, parte essencial da
espiritualidade própria do homem, de sorte que,
se o homem fosse anjo ou animal, não conheceria
a A.: e, como efeito, logra mascará-la ou
escondê-la o homem cuja espiritualidade é
demasiado débil. Enquanto reflexão sobre a
própria condição humana, a espiritualidade do
homem está ligada à A., isto é, ao sentimento
da ameaça imanente em toda possibilidade
humana como tal.

ARREPENDIMENTO (lat. Paenitentia; in.
Repentance, fr. Repentir, ai. Reue, it. Pentimento).
O angustiante reconhecimento da própria culpa.
Esta é a definição em que os filósofos concordam,
ainda que a expressem com palavras
diferentes;Em sentido análogo exprime-se Kierkegaard,
que viu no A. o ponto culminante da vida ética
e, ao mesmo tempo, o sinal do seu conflito
interno. O a. é inerente à escolha que, na vida
ética, o homem faz de si mesmo. "Escolher a si
mesmo é idêntico a arrepender-se de si mesmo...
Até o místico se arrepende, mas fora de si
e não dentro de si; arrepende-se metafisicamente
e não eticamente. Arrepender-se esteticamente
é repugnante, porque é afetação; arrepender-
se metafisicamente é coisa inútil e fora de
lugar, pois não foi o indivíduo que criou o mundo
e não lhe cabe incomodar-se tanto com a
vaidade do mundo" (Entweder-Oder, em Werke,
II, p. 223; Furcht undZittern, em Werke, III, p.
143). Cf. M. SCHELER, Reue und Wiedergeburt,
em Vom Ewigen im Menschen, 4a ed., 1954).

AUT AUT. É o título de uma das primeiras
obras de Kierkegaard (1843), título que exprime
a alternativa que se oferece à existência
humana, de duas formas de vida, ou, como diz
Kierkegaard, de dois "estados fundamentais da
vida": a vida estética e a vida moral. Entre esses
dois estados, assim como entre eles e o estado
religioso, que Kierkegaard analisou em Temor
e tremor (1843), não há passagem nem possibilidade
de conciliação, mas abismo e salto.
Kirkegaard contrapôs o aut aut, isto é, a forma
da alternativa, à forma da dialética de Hegel, na
qual há sempre conciliação, síntese e harmonia
entre os opostos (v. DIALÉTICA).


B-

C-

COGITO. Abrevia-se nessa palavra a expressão
cartesiana "cogito ergo sun" (Discours,
IV; Méd., II, 6), que exprime a auto-evidência
existencial do sujeito pensante, isto é, a certeza
que o sujeito pensante tem da sua existência
enquanto tal. Trata-se de uma tendência de
pensamento que reaparece várias vezes na história,
ainda que com fins diversos.
A crítica de Kierkegaard visa
mais ao alcance do que à validade do C.
cartesiano: "O princípio de Descartes 'penso,
logo sou', à luz da lógica, é um jogo de palavras,
pois aquele 'sou' outra coisa não significa,
do ponto de vista lógico, senão 'sou pensante'
ou 'penso'" (Diário, V, A, 30). Em outros termos,
segundo Kierkegaard, a proposição cartesiana é
puramente tautológica, já que seu pressuposto é a 
identidade da existência com o pensamento.
Uma tautologia, porém, ainda é uma proposição
válida.




D-

DESESPERANÇA (in. Desperation; fr. Désespoir,
ai. Verzweiflung; it. Disperazione). Segundo
Kierkegaard, é "a doença mortal", a doença
própria da personalidade humana e que a torna
incapaz de realizar-se. Enquanto a angústia
se refere à relação do homem com o mundo, a
D. refere-se à relação do homem consigo mesmo,
em que consiste propriamente o eu. Nessa
relação, se o eu quiser ser ele mesmo, pois é
finito, logo insuficiente a si mesmo, não chegará
jamais ao equilíbrio e ao repouso. E se não
quiser ser ele mesmo chocar-se-á também contra
uma impossibilidade fundamental. Em um e
outro caso tropeçará na D., que é "viver a morte
do eu", isto é, a negação da possibilidade do
eu na vã tentativa de torná-lo auto-suficiente
ou destruí-lo em sua natureza (A doença
mortal, 1849, esp. parte I, C). Também para
Jaspers a D. é um dos aspectos fundamentais
da existência (Phil, II, 266 ss.; II, 225 ss.).


DEUS (gr. 0eóç; lat. Deus- in. God; fr. Dieu; al.
Gott; it. Dio). São duas as qualificações fundamentais
que os filósofos (e não só elas) atribuíram
e atribuem a D..- a de Causa e a de Bem.
Na primeira, D. é o princípio que torna possível
o mundo ou o ser em geral. Na segunda, é
a fonte ou a garantia de tudo o que há de
excelente no mundo, sobretudo no mundo humano.
Trata-se, como é óbvio, de qualificações
bastante genéricas que só têm sentido preciso
no âmbito das filosofias que as empregam. Podemos,
por isso, distinguir as várias concepções
de D. partindo dos significados específicos
que essas qualificações adquirem; portanto:
ls quanto à relação de D. com o mundo, pela
qual D. é Causa; e 2° quanto à relação de D.
com a ordem moral, pela qual D. é Bem.
Como, ademais, é possível conceber que da
divindade podem participar vários entes ou que
ela é própria de um só ente, e como, por outro
lado, é possível admitir várias vias de acesso do
homem a D., também é possível admitir outros
dois modos de distinguir as concepções de D.;
3S quanto à relação de D. consigo mesmo, ou
seja, com sua divindade; 4" quanto aos acessos
possíveis do homem a D. Esses quatro modos
de distinguir as concepções de D., que podem
ser encontrados ao longo da história da filosofia
ocidental, têm a vantagem de seguir com
suficiente fidelidade as interações históricas
da noção em exame, ou seja, os pontos que
serviram de base para as principais disputas filosóficas.
A única exceção a essa tendência
é constituída por Kierkegaard e por todos
os que se inspiram diretamente em sua
concepção de D. Segundo Kierkegaard, a relação
entre D. e o mundo é incompreensível e só
pode ser esclarecida negativamente com a noção
de diferença absoluta, de "salto" entre o
mundo e D. (Diário, VIII, A, 414). Portanto,
Kierkegaard não utiliza a noção de causa para
determinar a relação entre o mundo e D., evitando
atribuir a D. a categoria de necessidade.
D. é "aquele para o qual tudo é possível" (Die
Krankheit zum Tode, I, c; trad. it., Fabro, p.
247); essa definição de D. torna a fé possível
por ser o fundamento da confiança naquele
que pode sempre encontrar uma possibilidade
de salvação para o homem mas exclui a
certeza fundada na necessidade da natureza
divina. É óbvio que, desse ponto de vista, a
própria qualificação de D. como criador do
mundo torna-se incompreensível, sendo indiferente
afirmá-la ou negá-la. O mesmo vale para
a doutrina contemporânea que, nesse aspecto,
mais se aproxima da inspiração de Kierkegaard:
a de Jaspers. Qualificar a transcendência
do ser com os atributos tradicionalmente dados
a D. ou como D. mesmo é, segundo Jaspers,
anular a distância entre a transcendência e o
homem, ou seja, anular a transcendência como
tal. A única cifra ou sinal da transcendência é o !
fracasso que o homem sofre quando tenta |
alcançar a transcendência. Esse fracasso é o j
único e autêntico sinal da transcendência, i
que é negada por todas as tentativas de j
torná-la próxima e acessível, pensando-a j
com os termos tradicionais da divindade (PM., i
III, 3, pp. 166 ss.).

DIALÉTICA (gr. ôva^eKTiKii xé^vn; lat. Dialectica;
in. Dialectic; fr. Dialectique, ai. Dialektik;
it. Dialettica). Esse termo, que deriva de diálogo,
não foi empregado, na história da filosofia,
com significado unívoco, que possa ser determinado
e esclarecido uma vez por todas; recebeu
significados diferentes, com diversas interrelações,
não sendo redutíveis uns aos outros
ou a um significado comum. Todavia, é possível
distinguir quatro significados fundamentais:
Ia D. como método da divisão; 2e D. como
lógica do provável; 39 D. como lógica; 4e D.
como síntese dos opostos. Esses quatro conceitos
têm origem nas quatro doutrinas que mais
influenciaram a história desse termb, mais precisamente
a doutrina platônica, a aristotélica, a
estóica e a hegeliana. Com base na documentação
histórica correspondente, é possível chegar
a uma caracterização bastante genérica da
D., que de algum modo resuma todas as outras.
Pode-se dizer, p. ex., que a D. é o processo em
que há um adversário a ser combatido ou uma
tese a ser refutada, e que supõe, portanto, dois
protagonistas ou duas teses em conflito; ou então
que é um processo resultante do conflito ou
da oposição entre dois princípios, dois momentos
ou duas atividades quaisquer. Mas trata-se, como
se vê, de uma caracterização tão genérica que
não teria nenhum significado histórico ou
orientador. O problema histórico é mais de identificar
claramente os significados fundamentais
e as múltiplas e díspares relações que ocorrem
entre eles (cf. Studi sulla Dialettica, de vários
autores, em Rivista di Filosofia, 1958, n. 2).
A maior parte dos filósofos modernos e de
todos os que usam essa palavra fazem referência
a essas três teses. Uma excessão é constituída
por Kierkegaard, que só aceita a primeira.
Para ele, a D. é, em geral, a possibilidade de reconhecer
o positivo no negativo (Diário, X', A,
456): conexão entre os opostos que não elimina
nem anula a oposição e não determina uma
passagem necessária para a conciliação ou para
a síntese, mas permanece estaticamente na
própria oposição. Kierkegaard diz: "Estamos
sós e termos todos contra nós é, em sentido
dialético, ter todos por nós, pois o fato de que
todos estão contra nós ajuda a evidenciar que
estamos sós" (Ibid., VIII, A, 124). E muitas vezes
ele dá a essa D. sem conciliações o nome
de "D. da inversão" ou "D. dupla" (Ibid.,VIU, A
84; VIII, A 91). Esse uso de Kierkegaard, embora
não se possa dizer em conformidade com o
conceito hegeliano de D., tem estreito parentesco
com um de seus elementos e, em todo
caso, não propõe novo significado do termo.
Para indicar a relação de oposição não conciliada,
o termo mais adequado é tensão (v.). Por
outro lado, o caráter oposto da D. hegeliana, o
da unidade, foi assumido por Sartre como definição
de toda a D.: "A D. é atividade totalizadora;
ela não tem outras leis que não as regras
produzidas pela totalização em curso e
estas se referem evidentemente às relações da
unificação com o unificado, ou seja, aos modos
da presença eficaz do devir totalizante nas partes
totalizadas" (Critique de Ia raison dialectique,
1960, pp. 139-40).


E

ESCÂNDALO (in. Scandal; fr. Scandale, ai.
Skandal; it. Scandaló). Kierkegaard transformou
o E. numa categoria religiosa, definindo-o
como "o pecado de desesperar da remissão
dos pecados". Para o intelecto humano, o perdão
do pecado é a mais impossível de todas as
coisas: desse ponto de vista, a religião é a "possibilidade
do escândalo" {Die Krankheit zum
Tode, II, B, B; trad. it., Fabro, p. 347; cf. Diário,
XJA, 133).

ESCOLHA (gr. ocipemç, 7ipoocípemç; lat.
Electio; in. Choice, fr. Choix, ai. Wahl; it. Sceltá).
Procedimento pelo qual determinada possibilidade
é assumida, adotada, decidida ou realizada
de um modo qualquer, preferentemente a outras.
O conceito de E. está estreitamente vinculado
ao de possibilidade'(v.), de tal modo que
não só não há E. onde não há possibilidade (visto
ser justamente a possibilidade o que se oferece
à E.), como tampouco há possibilidade onde
não há E., já que a antecipação, a projeção ou a
simples previsão das possibilidades são escolhas.
Por outro lado, o conceito de E. é uma das
determinações fundamentais do conceito de liberdade
(v.) 
noção de E. sempre foi amplamente utilizada
pelos filósofos, em especial na discussão
do problema da liberdade (v.), mas não foi
analisada com freqüência. A partir de Kierkegaard,
a filosofia da existência enfatizou o
valor da E. no que concerne à própria personalidade
do homem ou à sua existência, considerando
a E. sobretudo sob o ângulo da sua própria
possibilidade, ou seja, como E. da escolha.
Diz Kierkegaard: "A E. é decisiva para o conteúdo
da personalidade: com a E. ela aprofunda-
se na coisa escolhida, mas se não escolhe
definha" (Werke, II, p. 1.48). Desse ponto de
vista, a E. importante não é entre o bem e o
mal, mas entre escolher e não escolher. "Com
essa E., não escolho entre o bem e o mal, mas
escolho o bem; mas, porquanto escolho o
bem, escolho com isso a escolha entre o bem
e o mal. A E. original está sempre presente em
toda E. ulterior" (Ibid., II, p. 196). Esse conceito
foi freqüentemente repetido no existencialismo
contemporâneo.

ESTETISMO (in. Aestheticism; fr. Esthétisme,
ai. Àsthetizismus; it. Estetismó). Qualquer
doutrina ou atitude que considere fundamentais tais e 
primordiais os valores estéticos e reduza
ou subordine a eles todos os outros (mesmo e
sobretudo os morais).
 Neste sentido, pode-sechamar de E.
 tanto uma doutrina como a de
Novalis ou de Schelling, que vê na arte a revelação
do Absoluto, quanto a de Oscar Wilde
ou de D'Annunzio, para quem prevalecem
os valores estéticos na literatura e na vida.
O E. foi caracterizado por Kierkegaard como
a atitude de quem vive no instante, ou seja,
vive para colher o que há de interessante na
vida, desprezando tudo o que é banal, insignificante
e mesquinho. O homem estetizante, por
isso, evita a repetição, que sempre implica monotonia
e anula o atrativo das experiências
mais promissoras. O símbolo ou a encarnação
do E. é, portanto, Don Juan, o sedutor. Para
Kierkegaard, a vida estetizante desemboca no
tédio e, portanto, no desespero (Werke, II, p.
162).

EU (lat. Ego; in. /, Self; fr. Moi; ai. Ich; it. Io).
Este pronome, com que o homem se designa a
si mesmo, passou a ser objeto de investigação
filosófica a partir do momento em que a referência
do homem a si mesmo, como reflexão
sobre si ou consciência, foi assumida como definição
do homem. Foi isso que aconteceu com
Descartes, que foi o primeiro a formular em termos
explícitos o problema do eu. "O que sou
eu então?", perguntava Descartes. "Uma coisa que
pensa. Mas o que é uma coisa que pensa? É uma
coisa que duvida, concebe, afirma, nega, quer
ou não quer, imagina e sente. Certamente não
é pouco que todas essas coisas pertençam à minha
natureza. Mas por que não lhe pertenceriam?...
É de per si evidente que sou eu quem duvida,
entende e deseja, e que não é preciso acrescentar
nada para explicá-lo" (Méd., II). Como se vê,
aqui o problema do eu é imediatamente acompanhado
pela sua solução: o eu é consciência,
relação consigo mesmo, subjetividade. Esta é a
primeira das interpretações historicamente dadas
do eu. Podem ser enumeradas as outras
interpretações seguintes: eu como autoconsciência;
eu como unidade; eu como relação.
Foi sob o ângulo da "doença mortal" do eu, a
desesperação, que Kierkegaard definiu o eu
como "relação que se relaciona consigo mesma".
O homem é uma síntese de alma e corpo,
de infinito e finito, de liberdade e necessidade,
etc. Síntese é inter-relação, e a reversão dessa
inter-relação, ou seja, a relação da relação consigo
mesma, é o eu do homem (Die Kmnkheit
zum Tode, 1849, cap. I). Kierkegaard acrescentava
que precisamente por relacionar-se consigo
mesmo, o eu é relacionar-se com outro:
com o mundo, com os outros homens e com
Deus. É nesta segunda inter-relação que por
vezes os filósofos contemporâneos insistem.
Santayana dizia: "Quando digo eu, esse termo
sugere um homem, um entre os muitos que vivem
em um mundo que está em conflito com
o seu pensamento, mas que o domina" (Scepticism
and Animal Faith, 1923, ed. 1955, p.22).

EXCEÇÃO (in. Exception; fr. Exception; ai.
Ausnahme, it. Eccezioné). 1. Apesar de se encontrarem
na Antigüidade alguns vestígios de
uma ética da E., como a expressa por Cálicles
em Górgías e por Trasímaco em A República
de Platão, ou seja, de uma ética que não vale
para "a maioria" (oi polloi), é só na filosofia
contemporânea que o caráter da "excepcionalidade"
assume não só importância moral ou
religiosa, mas também ontológica e metafísica.
Esse foi um tema introduzido por Kierkegaard
e por Nietzsche; em Temor e tremor, o primeiro
insistiu no caráter de "E. justificada" que o
eleito de Deus representa em relação à lei moral
(como é o caso de Abraão); o segundo
insistiu no caráter de excepcionalidade do
super-homem, a quem a "vontade de potência"
confere um destino que foge a qualquer regra.
Dos existencialistas, foi Jaspers quem insistiu
na "excepcionalidade da existência", que é sempre
individual, singular, inconfundível e, por
isso, não pode tornar-se objetiva e submeterse
a limites ou normas (PM., II, 1932, p. 360).

EXISTÊNCIA (gr. TÒ vnàp%£iv; lat. Existentia;
in. Existence-, fr. Existence, ai. Existenz; it.
Esistenzd). Em geral, qualquer delimitação ou
definição do ser, ou seja, um modo de ser de
algum modo delimitado e definido. Este, que é
o significado mais geral, também pode ser considerado
um dos significados particulares do
termo, do qual é possível, então, enunciar três
significados: 1Q o modo de ser determinado ou
determinável; 2S o modo de ser real ou de fato;
39 o modo de ser próprio do homem.
Esse
passo foi dado por Kierkegaard, que também
preparou o instrumento fundamental para a
análise da E.: o conceito de possibilidade. Kierkegaard
remete-se explicitamente à polêmica,
a que já aludimos, contra a redução de E. a
conceito: "A E. corresponde à realidade individual,
ao indivíduo (o que Aristóteles já ensinou);
está fora do conceito, que, de qualquer
forma, não coincide com ela. Para um animal,
uma planta, um homem, a E. (ser ou não ser)
é algo de muito decisivo; o indivíduo por certo
não tem uma E. conceituai" {Diário, X2, A
328). Mas a E. como individualidade é apenas a
E. humana. No mundo animal, é mais importante
a espécie do que o indivíduo; no mundo
humano o indivíduo não pode ser sacrificado
à espécie. Nesse sentido, a singularidade da E.
torna-a o modo de ser fundamental do homem.
Tal modo de ser foi analisado por Kierkegaard
no seu tríplice aspecto de relacionar-se com o
mundo, consigo mesmo e com Deus. Mas nesses
três aspectos o relacionar-se nada tem de
necessário: é instável e precário. Em todo caso,
não é constituído por laços fortes e imutáveis,
mas por simples possibilidades que até podem
ser perdidas. Aos olhos de Kierkegaard, portanto,
a E. como modo de ser constituído pelas
relações do homem consigo mesmo, com o
mundo e com Deus é analisável em um conjunto
de possibilidades cujo caráter é justamente
não possuir, por si mesmo, nenhuma
garantia de realização. Certamente Deus pode
conferir segurança e infalibilidade a tais possibilidades
(porque para Ele "tudo é possível"),
mas até mesmo o relacionar-se do homem com
Deus é apenas possível, e não necessário. Dessa
interpretação da E. em termos de possibilidade
nascem as características fundamentais da
E., que são a angústia, como relacionamento
do homem com o mundo, desesperação, como
relacionamento do homem consigo mesmo, e
paradoxo, como relacionamento do homem
com Deus (v. EXISTENCIALISMO).

EXISTENCIAIISMO (in. Existentialism; fr.
Exístentialísme, ai. Existentialismus; it. Esistenzialismó).
Costuma-se indicar por esse termo,
desde 1930 aproximadamente, um conjunto de
filosofias ou de correntes filosóficas cuja marca
comum não são os pressupostos e as conclusões
(que são diferentes), mas o instrumento
de que se valem: a análise da existência.
As várias tendências do E. podem ser reconhecidas
e distinguidas a partir do significado
que dão à categoria da possibilidade e do uso
que dela fazem. Assim, é possível distinguir
três tendências principais, cujos fundamentos
são, respectivamente: 1Q impossibilidade do
possível; 2a necessidade do possível; 3a possibilidade
do possível.
Ia Já em meados do séc. XIX, Kierkegaard
insistira na importância da categoria da possibilidade,
e por isso é a ele que os filósofos da
existência costumam reportar-se. Mas Kierkegaard
também insistira no aspecto nadificante
do possível, que torna problemáticas e negativas
tanto as relações do homem com o mundo
quanto as relações do homem consigo mesmo
e com Deus. De fato, segundo Kierkegaard, as
relações do homem com o mundo são dominadas
pela angústia, que leva o homem a perceber
que a possibilidade corrói e destrói as expectativas
ou capacidades humanas além de
destroçar cálculos e habilidades com a ação do
acaso e das possibilidades insuspeitas (Conceito
da angústia, 1844). A relação do homem
consigo mesmo, que constitui o eu, é dominada
pela desesperaçâo, ou seja, pela condição na
qual o homem se encontra porque percorreu
uma possibilidade após outra sem deter-se ou
porque esgotou suas limitadas possibilidades, e
o futuro se fecha diante dele (A doença mortal,
1849). A própria relação com Deus — que parece
oferecer ao homem um caminho de salvação
da angústia e do desespero (porque "para
Deus tudo é possível") —, por não ter garantias
absolutas e por ser dominada pelo paradoxo,
não pode oferecer certeza nem repouso (Temor
e tremor, 1843; Diário, passim). Desse
modo, ao analisar a existência humana com 
base na categoria do possível, Kierkegaard
entendia o possível exclusivamente em seu
aspecto ameaçador e negativo, vendo nele
"aquilo que é impossível realizar-se", mais do
que "aquilo que pode não se realizar". A filosofia
de Heidegger adota essa mesma interpretação.
Não há dúvida de que, em análises que se
tornaram clássicas, Heidegger deixou claro que
a existência é transcendência e projeto, mas
também mostrou que transcendência e projeto
são, afinal, impossíveis, porque a transcendência
fica aquém do que deveria transcender
e o projeto é dominado e anulado por aquilo
que já é ou já não é mais. O caráter da existência
que acaba prevalecendo na filosofia de Heidegger
é a efetividade ou factualidade do ser-aí
lançado no mundo, em meio aos outros entes,
no mesmo nível deles e por isso à mercê de ser
o que de fato é. Desse modo, a existência só
pode ser aquilo que já passou. Suas possibilidades
não são aberturas para o futuro, mas
reincidência no passado e só fazem reapresentar
o passado como futuro. Por isso, o
transcender, o projetar, é uma impossibilidade
radical, um nada nadificante. Não resta outra
alternativa autêntica a não ser antecipar ou
projetar esse mesmo nada. Isso é o "viver-para-
a-morte", ou seja, para "a possibilidade da
impossibilidade da existência" (Sein und Zeit,
§ 53). A "possibilidade da impossibilidade" seria
uma contradição em termos, se possibilidade
não significasse aqui "compreensão". A
existência é essencial e radicalmente impossível;
o que é possível é a compreensão dessa
impossibilidade. Viver para a morte é, precisamente,
tal compreensão.

F

FÉ (gr. mcraç; lat. Fides; in. Faith; fr. Foi; ai.
Glaube, it. Fede). Crença religiosa, como confiança
na palavra revelada. Enquanto a crença,
em geral, é o compromisso com uma noção
qualquer, a F. é o compromisso com uma noção
que se considera revelada ou testemunhada
pela divindade.
Sob este ponto de vista,
a F. não é feita de certezas, mas de decisão e
risco. A F., diz Kierkegaard em Temor e tremor,
é a certeza angustiante, a angústia que se
torna segura de si e de uma relação oculta com
Deus. O homem pode rogar a Deus que lhe
conceda a F., mas a possibilidade de rogar não
é em si mesma um dom divino? Assim, há na fé
uma inegável contradição, que a torna paradoxal.
O homem é colocado num dilema: crer ou
não crer. Por um lado, a ele cabe escolher, e
por outro qualquer iniciativa é impossível, porque
Deus é tudo, e dele deriva inclusive a fé.
Esse conceito foi substancialmente retomado
por Karl Barth, que interpretou a F. como inserção
da Eternidade no tempo, da Transcendência
na existência (Comentário à Epístola
aos romanos, 1919). Rudolf Bultmann também
atribui a fé à iniciativa divina, apesar de afirmar
a exigência de libertar a F., sobretudo cristã,
dos mitos cosmológicos com que ela tradicionalmente
aparece unida, procedendo à sua
desmitificação (v.). Indo mais longe, Dietrich
Bonhoeffer contrapôs a F. à religião (v.), considerada
como expressão mítica e contingente da
F., inaceitável nesta época dominada pelo racionalismo,
pela ciência e pela tecnologia. Desse
ponto de vista, acentua-se o caráter prático
da F., que se transforma em moral natural e
humana, fundada na unidade entre mundo e
Deus, entre humanidade e Cristo (Ética, 1949;
Resistência e rendição, 1951). É nesse conceito
de F., entendida como ação renovadora do
mundo humano, que se inspira o panteísmo
humanista dos chamados "novos teólogos" (v.
DEUS e DEUS, MORTE DE). Karl Jaspers insistiu
na identidade entre existência e fé sob o
aspecto filosófico, mas, na esteira de Kierkegaard,
continuou reconhecendo na F. uma relação
direta com a Transcendência (Der philosophische
Glaube, 1948).



G

GÊNIO (in. Genius-, fr. Génie; ai. Genie; it.
Gênio). A partir da segunda metade do séc.
XVII passou-se a indicar com esse termo (que,
segundo Varrão, na origem indicava "a divindade
que é preposta a cada uma das coisas geradas
e que tem a capacidade de gerá-las", S.
AGOSTINHO, De civ. Dei, VII, 13) o talento
inventivo ou criativo nas suas manifestações
superiores.O próprio
Kierkegaard, que por muitos aspectos
pode ser considerado antagonista do Romantismo,
partilhou esse conceito de G. Disse: "O G.
é um An-sich onipotente que, como tal, gostaria
de sacudir o mundo inteiro. Por isso, para
salvar a ordem, nasce com ele outra figura: o
destino. Mas o destino é nulo, porque é ele mesmo
que o descobre, e quanto mais profundo
for o G., mais profundamente o descobre; por 
que o destino nada mais é que a antecipação
da providência" (Der Begriff der Angst, III, § 2;
trad. Fabro, p. 123).


H

HISTÓRIA (gr. íüxopía; lat. Historia; in.
History, fr. Histoire, ai. Geschichte, it. Storia).
Esse termo, que em geral significa pesquisa,
informação ou narração e que já em grego era
usado para indicar a resenha ou a narração dos
fatos humanos, apresenta hoje uma ambigüidade
fundamental: significa, por um lado, o conhecimento
de tais fatos ou a ciência que disciplina
e dirige esse conhecimento (historia rerum
gestarum) e, por outro, os próprios fatos ou
um conjunto ou a totalidade deles (resgestaé).
Essa ambigüidade está presente em todas as
atuais línguas cultas (cf. H. I. MARROU, De Ia
connaissance historique, 1954, pp. 38-39).
Mas, em vista do maior uso do termo historiografia
para indicar o conhecimento histórico
em geral, ou ciência da H. (e não a arte de
escrever H.), pode-se colocar no verbete
historiografia o tratamento dos significados atribuídos
à H. ao longo do tempo, (como conhecimento)
e incluir neste verbete só os significados
que foram dados à realidade histórica como
tal. Tais significados são os seguintes: lg H.
como passado; 2- H. como tradição; 3S H. como
mundo histórico; 4S H. como objeto da historiografia.
Nesse aspecto, é preciso
lembrar que Kierkegaard foi o primeiro a reconhecer
na H. a categoria da possibilidade: "O
passado não é necessário ao momento em que
vem a ser; não veio a ser necessário vindo a ser
(o que seria uma contradição); e vem a sê-lo
ainda menos por meio da compreensão que se
tem dele (...) Se o passado viesse a ser necessário
por meio da compreensão, ganharia aquilo que
a compreensão perderia, pois então esta última
compreenderia uma coisa diferente e seria
uma incompreensão" (PhilosophischeBrocken,
1844, IV, § 4).



I-

INSTANTE (gr. tò èí;aí<pvr|Ç; lat. Momentum;
in. Instant; fr. Instant; ai. Augenblick,
it. Attimo) 1. De acordo com o significado
específico, próprio de certa tradição filosófica,
o I. é diferente do agora (v.), sendo o limite ou
a condição do tempo, porque representa uma
espécie de encontro ou de compromisso entre
o tempo e a eternidade.
Essa noção foi retomada
por Kierkegaard, que viu no I. a inserção
subitânea da eternidade no tempo e, portanto,
a inserção subitânea da verdade divina no homem,
isto é, o nascimento da fé (PbílosophischeBrocken,
cap. IV; cf. Werke, II, pp. 108,
lló ss.). O caráter instantâneo da fé exclui que
ela possa ser suscitada ou produzida por
processos de demonstração ou de persuasão.
Daí a polêmica de Kierkegaard contra a igreja
oficial dinamarquesa, travada no jornal, e que
ele denominou precisamente O Instante. O
conceito de I. volta no existencialismo alemão,
mas sem a ressonância religiosa que tinha
em Kierkegaard. Jaspers diz: "O I. vivido é o
fato supremo, calor de sangue, imediação,
vida, presente corpóreo, totalidade do real,
única coisa verdadeira e concreta. Em vez de
partir do presente para perder-se no passado
ou no futuro, o homem encontra a existência e
o absoluto no I., único que os pode proporcionar.
passado e futuro são abismos obscuros
informes, tempo indefinido, ao passo que o I.
pode ser a abolição do tempo, a presença do
eterno" (Psychologie der Weltanschauungen,
1925, I, 3; trad. it., p. 132).
Essa atitude, que Kierkegaard chamava de
"vida estética", às vezes é contraposta à outra
que, sacrificando continuamente o presente
em favor do futuro, acaba tornando insignificante
e instrumental toda a duração da vida.

INTERESSANTE (in. Lnteresting; fr. Intéressant;
ai. Lnteressant; it. Interessante).
Kierkegaard frisou a importância desse conceito,
que ele considerou "uma categoria situada
no limite entre a estética e a ética, portanto a
categoria do ponto crítico". Sócrates foi, p. ex.,
o mais I. dos homens que já viveram e sua
vida foi a mais I. das vidas vividas. Mas aquela
existência foi-lhe destinada pela divindade e,
na medida em que precisou conquistá-la por
si, precisou conhecer dificuldades e dores (Furcht
und Zittern, em Werke, III, 131).

IRONIA (gr. eipcoveíot; Iat. Ironia; in.
Lrony; fr. Ironie; ai. Ironie; it. Lronia). Em
geral, a atitude de quem dá importância
muito menor que a devida (ou que se julga
devida) a si mesmo, à sua própria condição ou
a situações, coisas ou pessoas com que tenha
estreitas relações. A história da filosofia co IRONIA
585 IRONIA
nhece duas formas fundamentais de I.: Ia
socrática; 2a romântica.
Esse conceito caracterizou um dos aspectos
fundamentais do Romantismo alemão.
Kierkegaard deu-lhe uma interpretação atenuada
ou metafórica, por um lado concebendo
a I. socrática como superioridade de Sócrates
à iniqüidade do mundo (Diário, X3, A, 254),
por outro lado entendendo a I. em geral como
"a infinitização da interioridade do eu", mas
como infinitização "interior", num significado
que não tem mais a magnitude que Fichte atribuía
à infinidade. "O que é a I.?" escreve
ele. "A unidade de paixão ética, que acentua o
eu infinitamente em interioridade, e a unidade
de educação que, em seu exterior (no comércio
com os homens) abstrai infinitamente
do próprio eu. A abstração faz que ninguém
se aperceba da primeira unidade vivida e
nisto está a arte da verdadeira infinitização da
interioridade" (Diário, VI, A, 38, trad. Fabro).
Como aqui a infinidade do eu é somente uma
infinidade "interior", ou seja, a acentuação ao
infinito do valor do eu na consciência, mas
não é a infinidade efetiva e criadora do Eu
absoluto dos românticos, a I. não tem mais
o significado romântico: é apenas a oposição
entre a consciência exaltada que o eu
tem de si e a modéstia das suas manifestações
externas.

J

K
L

M

MILAGRE (gr. xépaç; lat. Miraculunv, in.
Miracle, fr. Miracle, ai. Wunder ii, Miracolo).
Fato excepcional ou inexplicável, considerado
como sinal ou manifestação de uma vontade
divina. Esta era a noção de M na Antigüidade
clássica (p. ex., Ilíada, II, 234; Odisséia, III,
173; XII, 394, etc.) e a que predominou na
Idade Média, sendo assim expressa por S. Tomás:
"No M. podem ser notadas duas coisas:
uma é o que acontece, que é certamente algo
que excede a faculdade da natureza, e neste
sentido os M. são chamados de potências (virtudes);
a segunda é a razão pela qual os M.
acontecem, ou seja, a manifestação de algo de
sobrenatural; neste sentido, os M. são chamados
comumente de sinais, enquanto são chamados
de portentos pela sua excelência e de
prodígios porque mostram algo cie distante" (S.
n., II, 2, q. 178, a. 1, ad 3y).
Mas talvez se trate de uma noção que, do
ponto de vista religioso, não oferece menor dificuldade.
Kierkegaard diz: No fundo, usar
toda a sagacidade (como faz Lessing ao publicar
os Fragmentos de Wolfenbütteln) na comprovação
do absurdo e da 
inverossimilhança
do M. para depois concluir a partir do fato de
ser inverossímil: ergo, não é M. (mas seria
mesmo M. se fosse verossímil?), é tão insensato
quanto (e é esta a sabedoria da especulação)
esforçar-se por compreender o M. ou por
torná-lo compreensível, concluindo finalmente:
ergo, é um M. Um M. compreensível não é
mais um M. Não, o M continua sendo o que é:
artigo cie fé" (Diário, X1, A, 373). Desse ponto
de vista obviamente ruem as objeções contra o
M., mas ele deixa de ser, a qualquer título,
objeto da pesquisa científica e filosófica.


MISTICISMO (in. Mysticism; fr. Mysticisme-,
ai. Mysticismus; it. Misticismo). Toda doutrina
que admita a comunicação direta entre o homem
e Deus. A palavra mística começou a ser
usada nesse sentido nas obras de Dionísio, o
Aeropagita, pertencentes à segunda metade do
séc. V e inspiradas no neoplatônico Proclo. Em
tais obras é acentuado o caráter místico do
neoplatonismo original, que é a doutrina de
Plotino. Para isso, insiste-se na impossibilidade
de chegar até Deus ou de realizar qualquer comunicação
com ele através dos procedimentos
comuns do saber humano, cie cujo ponto cie
vista só se pode definir Deus negativamente
(teologia negativa). Por outro lado, insiste-se
também numa relação originária, íntima e pessoal
entre o homem e Deus. em virtude da qual
o homem pode retornar a Deus e unir-se finalmente
a ele num ato supremo. Este é o
êxtase, que Dionísio considera a deificaçào
do homem 
Do ponto de vista filosófico-religioso, é
importante a apreciação de Kierkegaard sobre
o misticismo: o místico é "aquele que se
escolhe em isolamento completo", ou seja,
isolado do mundo e cios contatos humanos
(Ant Aut, em Werke, II, p. 215), mas, assim
agindo, comete certa indiscrição em relação
a Deus. Isso porque, em primeiro lugar, desdenha
a existência, a realidade na qual Deus o
colocou, e. em segundo lugar, degrada Deus e a
si mesmo. "Degrada-se porque é sempre degradação
ser essencialmente diferente dos
outros graças a simples acidentalidade, e degrada
Deus porque faz dele um ídolo e de si
mesmo um favorito em sua corte" {Ibíci,
Werke, II, p. 219).


MÚSICA (gr. uo-uoiKri TE^vn.; lat. Musica;
in. Music; fr. Musique; ai. Musik it. Musica).
Duas são as definições filosóficas fundamentais
dadas da M. A primeira considera-a como
revelação de uma realidade privilegiada e divina
ao homem: revelação que pode assumir a
forma do conhecimento ou do sentimento. A
segunda considera-a como uma técnica ou um
conjunto de técnicas expressivas que concernem
à sintaxe dos sons.
radicalização dessa expressão acha-se na teoria
de Kierkegaard, cie que a M. "encontra seu
objeto absoluto na genialidade erótico-sensual"
(Aut Ant, "As etapas eróticas", etc; trad. fr.,
Prior e Guignot, p. 54). A definição cie M. como
arte de expressar "os sentimentos" ou "as paixões"
através dos sons foi repetida infinitas vezes,
eheganclo-se a esquecer o sentido de suas
implicações teóricas. 



N

NODAL, LINHA (ai. Knotenlinie). Foi assim
que Hegel designou a passagem da quantidade
à qualidade que se dá por mudança da
quantidade, p. ex., quando a mudança da quantidade
de calor na água produz a sua passagem
do estado líquido para o sólido ou para
o gasoso (Wissenschaft der Logik, I, seção III,
cap. 11, B; trad. it., I, pp. 444 ss.). Esse conceito
teve mais aceitação fora do hegelismo que em
seu seio. Kierkegaard extraiu daí seu conceito
de salto (v.) e Engels fez da passagem da quantidade
para a qualidade uma das leis fundamentais
da dialética (Dialektik derNatur, trad.
it., p. 57) (v. DIALÉTICA; SALTO).





O

OCASIÃO (in. Occashm; fr. Occasion; ai.
Gelegenheit; it. Occasione). Situação que provoca
ou facilita a intervenção de uma ação livre.
Causas ocasionais-, causas consideradas como
ocasiões para a ação direta de Deus (v. OCASIONALISMO).
Kierkegaard ressaltou o valor da O. como
"categoria do f inito", que pode ser "pretexto ou
causa". Neste sentido, a O. é a "última e verdadeira
categoria de transição da esfera da idéia
à da realidade" (Autaiit, "Os primeiros amores";
trad. fr., Prior e Guignot, pp. 186 ss.).




P

PARADOXO (gr. rapáôoÇoç ^óyoç; in.
Paradox, fr. Paradoxe. ai. Paradox, it. Paradosso).
O que é contrário à "opinião da
maioria", ou seja, ao sistema de crenças comuns
a que se fez referência, ou contrário a
princípios considerados sólidos ou a proposições
científicas.
No sentido religioso, chamou-se P. a afirmação
dos direitos da fé e da verdade do seu conteúdo
em oposição às exigências da razão. P. é,
p. ex., a transcendência absoluta e a inefabilidade
de Deus, afirmada pela teologia negativa
(v.); P. é o "credo c/uia absurdum" (v.) de
Tertuliano; P. é toda a fé, segundo Kierkegaard,
porque todas as categorias do pensamento religioso
são impensáveis, e a fé, não obstante, crê
em tudo e assume todos os riscos (cf. Die
Krankheit zum 'Pode, 1849). Kierkegaard viu
como P. a própria relação entre o homem e
Deus: "O P. não é uma concessão, mas uma
categoria: uma determinação ontológica que
expressa a relação entre um espírito existente e
cognoscente e a verdade eterna" (Diário. VII,
A 11).

PECADO (lat. Peccatum; in. Sin; fr. Péché,
ai. Sünde. it. Peccato). Transgressão intencional
de um mandamento divino. Esse termo
tem conotação sobretudo religiosa: P. não é
a transgressão de uma norma moral ou jurídica,
mas a transgressão de uma norma considerada
imposta ou estabelecida pela divindade.
O reconhecimento do caráter divino de uma
norma e a intenção de transgredi-la são os dois
elementos desse conceito, sem os quais se confunde
com os conceitos de culpa, delito, erro,
crime, etc, que designam a transgressão de
uma norma moral ou jurídica.
Pode-se dizer que esse conceito de P. não
se alterou através dos tempos. Kant repete-o
ao definir o P. como "a transgressão da lei moral
vista como mandamento divino" {Religion, 1,
seç. IV; II, seç. 1, c; trad. it.. Durante, pp. 31,
68); o mesmo faz Kierkegaard, ao afirmar que
o P. é perante Deus, e que consiste em "buscar
desesperadamente a identidade ou em fugir
desesperadamente à identidade", o que
significa que consiste no desespero de não ter fé
(Die Krankheit zum Tode, II, cap. I, trad. it.,
Fabro, p. 300). O que Kierkegaard acrescenta é
o caráter excepcional do P., que corresponde
ao caráter excepcional da fé. O P. não é de todos
os dias: "Ser pecador, no sentido mais rigoroso,
está bem longe de ser meritório. No entanto,
como se pode achar uma consciência
essencial do P. (o que aliás é indispensável
para o Cristianismo) numa vida tão mergulhada
na trivialidade. tão reduzida à imitação vulgar
dos outros, que é quase impossível dar-lhe
nome, pois é desprovida demais de espírito
para poder ser chamada de P.?" (Ibid, II, B,
Acréscimo A; trad. it., p. 328).

PECADO ORIGINAL (lat. Peccatum originale;
in. Original sin; fr. Péché originei; ai.
Erbsünd; it. Peccato originaté). As discussões
filosófico-teológicas a respeito do P. original
geralmente tiveram como objeto a maneira
como esse P. se transmitiu de Adão aos outros
homens.
Aliás, é só em Kant e em Kierkegaard que se
encontra uma interpretação filosófica (e não
teológica) do P. original. Kant observou que
não se deve confundir a questão da origem
temporal de uma coisa com a questão de sua
origem racional, o problema da origem temporal
deve ser resolvido pela doutrina bíblica do
P. original, mas o da origem racional do mal
deve ser solucionado pela doutrina do "mal
radical", segundo a qual a disposição inata do
homem para o mal deriva da natureza de suas
máximas. E diz: "A proposição 'o homem é
mau significa apenas que o homem está ciente
da lei moral, mas acolheu o princípio de afastar-
se ocasionalmente dessa lei. Dizer que ele
é n\âi\ por natureza s\gn\íic/ã que isso vale para
toda a espécie humana, não no sentido de que
essa qualidade possa ser deduzida do conceito
de espécie humana (do conceito de homem
em geral) — porque então seria necessária—,
mas no sentido de que o homem, do modo
como é conhecido por experiência, não pode
ser julgado de outra maneira ou no sentido de
que se pode pressupor como objetivamente
necessária a tendência ao mal em qualquer homem,
até no melhor" (Religion, I, 3; trad. it.,
Durante, p. 18). Substancialmente idêntica a
esta é a interpretação do P. original dada por
Kierkegaard, que discerniu a condição e a realidade
psicológica dele na angústia: "A proibição
de Deus angustia Adão porque desperta
nele a possibilidade da liberdade. O que na
inocência era o nada da angústia passou então
a fazer parte da inocência, sendo aí também
um nada. ou seja, a possibilidade angustiante
de poder. Do que pode não tem a menor idéia;
caso contrário, pressupor-se-ia, como acontece
habitualmente, aquilo que segue, que é a
diferença entre o bem e o mal. Em Adão só há
a possibilidade de poder, como forma superior
de ignorância, como expressão superior de angústia,
porque em sentido mais elevado esta
possibilidade é e não é, e Adão ama-a e foge
dela" (Der Begriff Angst, I. § 5; trad. it., Fabro,
p. 54). Também aqui, como se vê, não se trata
da origem temporal, mas da origem racional do
P. original, e aqui também essa origem é vista
numa possibilidade, indeterminada ou "indefinida",
como a chama Kierkegaard, que é também
a possibilidade de agir contra a proibição
divina. Para Kierkegaard, assim como para Kant,
o P. original consistiria, portanto, na perspectiva
de uma possibilidade, que, como tal, pode
implicar a infração à norma moral ou à proibição
divina.

POSSÍVEL (gr. xò 5-uvaxóv; lat. Possibilis-,
in. Possible; fr. Possible; ai. Mõglich; it. Possibile).
O que pode ser ou não ser. Ksta definição nominal
geralmente é pressuposta pelas definições
conceptuais desse termo, mas só estas últimas
permitem tratar dos problemas peculiares a
essa noção. As definições conceptuais de possível
podem ser: A) /lega/iras (de natureza
lógica); B) positivas. Por sua vez estas últimas
podem ser 1" de possibilidade real; 2" cie possibilidade
objetiva. As três classes de definições
daí resultantes correspondem quase perfeitamente
às três espécies de P. clistinguidas por
Aristóteles em Metafísica: "O P. significa: 1Q o
que não 6 necessariamente falso; 2" o que é
verdadeiro: 3!> o que pode ser verdadeiro"
(Met.. V. 12. 1019 b 30).
Toda a 
especulação de Kierkegaard baseia-se nessa
noção de possibilidade objetiva e indeterminada,
com a qual esclarece as noções de angústia
(v.) e de desesperança (v.). No entanto,
Kierkegaard às vezes utiliza expressões que
não são rigorosamente compatíveis com a
indeterminação objetiva das possibilidades,
como p. ex. "Tudo c P." ou "todas as possibilidades".
Considerando as possibilidades como
infinitas, acaba-se por excluir sua indeterminação
e limitação: de tato, o que falta a uma delas
para realizar-se infalivelmente pode ser suprido
pelas outras, se elas forem infinitas; as possibilidades
transformam-se, então, em potencialidades
necessárias.






R

REPETIÇÃO (in. Repetition; fr. Répétition;
ai. Wiederhohing; it. Ripetizione). 1. Termo introduzido
na terminologia existencialista por
Kierkegaard. Este, para esclarecer sua significação,
aproximou-o da expressão aristotélica
quod quid erat esse (v. ESSÊNCIA; SUBSTÂNCIA),
que, significando literalmente aquilo que o ser
era, expressa a necessidade e a imutabilidade
do ser, a sua repetição. Kierkegaard va\e\i-se
desse conceito sobretudo para descrever a natureza
da vida ética: à diferença da vida estética,
que procura evitar a R., buscando novidades a
todo instante (sendo por isso simbolizada por
Don Juan), a vida ética baseia-se na continuidade,
na escolha repetida que o indivíduo faz de si
mesmo e de sua tarefa, sendo, pois, simbolizada
pelo matrimônio (Die Wiederhohing, 1843; cf.
Diário, IV, A, 15 6).

S

SALTO (lat. Saltus; in. leap. fr. Saiit: ai.
Sprutig; it. Salto). Termo empregado por Kierkegaarcl
para indicar a "passagem qualitativa",
brusca e sem mediação de uma categoria para
outra ou de uma forma de vida para outra (p.
ex., da vida ética para a vida religiosa) ou, em
geral, de um estado para outro (p. ex., da inocência
para o pecado, do pecado para a fé.
etc). Kierkegaard opôs essa noção de S. ã noção
hegeliana de mediação (v.) e ilustrou-a
aproximando-a: l"do eutimema(x.)\ 2- da analogia
e da indução; 3" cia teoria hegeliana. lü
Entimema é o silogismo contraído, no qual se
omite uma premissa e se passa diretamente da
premissa maior à conclusão ("Todos os animais
são mortais, logo o homem é mortal") (Diário.
VI A, 33). Nesse sentido, a palavra S. é encontrada
em Kant com o mesmo uso: "S. (saltus)
na dedução ou na prova é a conexão de uma
premissa com a conclusão, de tal maneira que
a outra premissa é negligenciada" (Logik. 1800,
§ 91). 2o A analogia estabelece uma relação
entre coisas qualitativamente diferentes e a indução
passa do particular ao universal (Diário. V
A, 74). 3" A doutrina hegeliana sobre a mudança
quantitativa que provoca uma mudança
qualitativa é a fonte autêntica do conceito
kierkegaardiano. Hegel dizia: "A água, com a
mudança da temperatura, não só se torna mais
ou menos quente, mas passa pelos estados sólido,
gasoso e líquido. Esses estados diferentes
nào nascem aos poucos, mas o próprio processo
gradativo de mudança na temperatura é por
eles interrompido, e o aparecimento de um
novo estado é um salto. Qualquer mudança e
qualquer morte, em lugar de ser um contínuo
pouco a pouco é um truncamento do pouco a
pouco e um salto da mudança quantitativa para
a mudança qualitativa ( Wissenschaft der Logik,
I, seção III, cap. II, B; trad. it., pp. 418-419).
Kierkegaard censura Hegel por haver limitado
este conceito ao domínio da lógica (DerBegriff
Angst, I, § 2: trad. it., p. 35 e nota). Jacobi, no
entanto, usara a expressão salto mortale (em
italiano) para caracterizar a passagem da fé ao
conhecimento filosófico ( Werke, IV, pp. XL
ss.), ao passo que Kant utilizou a mesma expressão
para indicar a passagem da razào
para a fé cega (Religion. B 158).



SER (gr. xòõv; lat. Frisou Esse, in. lieing-, fr.
Êtn'; ai. Seín; it. físsere). Preliminarmente, convém
distinguir os dois usos fundamentais desse
termo: 1") o uso predícalivo, em virtude do
qu;il dizemos "Sócrates é homem", ou "a rosa é
vermelha"; 2") o uso existencial, em virtude do
qual dizemos "Sócrates é" (= existe) ou "a rosa
é" (= existe). Kmbora nem sempre explicitamente
formulada, essa distinção é assumida ou
pressuposta quase universalmente. Em Parmênides.
Platão dá destaque à diferença entre a
hipótese "o um é um" e a hipótese "o um é";
nesta última "é" significa "participação no S."
(Pcirm., 137 e; 142 b). Aristóteles expressa de
várias formas a mesma diferença: como diferença
entre é como terceiro predicado e é
como segundo predicado (De int., 10. 19b 19);
como diferença entre é como predicado por
acidente ("Homero é poeta") e é predicado por
SER 879 SER
«'("Homero é") (Deint., II, 21 a 25); eomo diferença
entre "S. alguma coisa" e "S. absolutamente1'
(El. sof., 5, 167 a 1). Na diferença entre
S. predicativo e S. existencial baseia-se ainda a
distinção aristotélica entre tese e hipótese,
como premissas cio silogismo: a primeira não
assume a existência do objeto a que se refere; a
segunda, sim (An. post., 1, 2, 72 a 18).
c) Teorias filosóficas que afirmam o primado
da possibilidade. Seu precedente está na filosofia
de Kierkegaard. que foi o primeiro a propor
uma interpretação da existência humana em
termos de possibilidade (V. EXISTÊNCIA, 3). Por
outro lado, o mesmo ponto cie vista pode ser
reconhecido em alguns aspectos da íenoinenologia
cie Husserl e nas doutrinas a ela ligadas.
Embora Husserl privilegie o S. da consciência
e o considere necessário, ao contrário
das realidades das coisas, a análise fenomenológica,
sob esse aspecto, é Lima análise cie
possibilidade; para ela, como disse Heidegger
(Sein undZeil, § 7 C): "mais elevada que a realidade
está a possibilidade". Husserl diz: "Para
mim, o lato cie uma natureza, um mundo cultural
e humano, com as suas formas sociais,
etc. existirem significa que as experiências correspondentes
me são possíveis, ou seja, que,
independentemente de minha experiência real
desses objetos, posso, a qualquer instante,
realizá-los e desenvolvê-los em certo estilo sintético.
Isso signitica que me são possíveis
outros modos de consciência correspondentes
a essas experiências como atos cie pensamento
indistinto, etc, e que é inerente a esses atos a
possibilidade de eles serem confirmados ou
invalidados por meio de experiências de Lim
tipo previamente estabelecido" (Cart. Meei,
§ 37).


SINGULAR2(in. Single: fr. Singnlier, ai. Kinzeln;
it. Singolo). 1. Que é um indivíduo (vj.
2. O indivíduo considerado como valor metafísico,
religioso, moral e político supremo.
Neste sentido, é o tema preterido de algumas
filosofias modernas e contemporâneas. Kierkegaard.
polemizando com Hegel, afirmava o valor
existencial do S.: "A existência corresponde
â realidade singular (o que já foi ensinado por
Aristóteles): não é abarcada pelo conceito e, de
qualquer modo, não coincide com ele". (Diário,
X2 A, 328). O S. é superior ao universal, ao
contrário do que julgava Hegel. "Nos gêneros
animais sempre vale o princípio de que 'o indivíduo
é inferior ao gênero'. O gênero humano,
em que cada indivíduo é criado â imagem de
Deus, tem essa característica, de o S. ser superior
ao gênero" (Ibid., X2, A, -126). Km Kierkegaard,
essa exaltação tio S. é acompanhada
pela desvalorização da categoria "público", em
que o S. desaparece; mas o público não é a comunidade
na qual, ao contrário, o S. é reconhecido
como tal (Ibid.. X2. A, 390). O único (\.),
de Stirner, e o snper-homem (v.), de Nietzsche,
são concepções análogas à que. Kierkegaard
indicou como singular. No mesmo sentido,
Jaspers insiste no caráter excepcional do S. (Phil,
II. p. 360).

SUBJETIVIDADE (in. Subjeclivity, fr. Snbjeclivitê;
ai. Subjektiviláh it. Soggettività). 1. Caráter
de todos os fenômenos psíquicos, enquanto
fenômenos de consciência (v.), que
o sujeito relaciona consigo mesmo e chama de
"meus".
Kierkegaard quis inverter o ponto de vista
hegeliano, colocando a S. acima da objetividade:
"O erro consiste principalmente no fato de
o universal, em que — segundo o hegelianismo
— consiste a verdade (e o individual torna-
se verdade só se nele subsumido), 6 uma
abstração: o Estado, etc. Ele não chega a dizer
que é a S. em sentido absoluto, e não chega á
verdade, ou seja, ao princípio cie que realmente,
em última instância, o individual está acima
do universal" (Diário, X2 A 426).





T

TÉDIO (in. Boredom; fr. Enruii; ai. Langweile;
it. Noía). Moralistas e filósofos algumas
vezes insistiram no caráter cósmico e radical
desse sentimento. "Sem o divertimento" —
dizia Pascal — "haveria o T., e este nos levaria a
buscar um meio mais sólido para sair dele. Mas
o divertimento nos deleita e assim nos faz chegar
distraídos à morte" (Pensées, 171). Shopenhauer
observou que "tão logo a miséria e a
dor concedem uma trégua ao homem, o T. chega
tão perto que ele necessita de um passatempo";
por isso, segundo ele, a vida oscilava continuamente
entre a dor e o T. (Die Welt, I, § 57).
Com mais profundidade e antecipando o
existencialismo.segundo Kierkegaard,
é a desembocadura inevitável da vida estética.
"Se perguntarmos a um melancólico qual a razão
para ser assim e o que o desgosta, responderá
que não sabe, que não pode explicar. Nisso
consiste a infinidade da melancolia" (Entweder-
Oder, em Werke, II, p. 171). Nesse
sentido, melancolia é a acídia medieval (Ibid.,
II, 168), sendo considerada por Kierkegaard a
"histeria do espírito", o pecado fundamental,
porquanto "é pecado não querer com profundidade
e sentimento" (Ibid., p. 171).

TEOLOGIA (gr. 8EoA.oyía; lat. Tbeologia; in.
Theology, fr. Théologie; ai. lheologie; it. Teologia).
Em geral, qualquer estudo, discurso ou
pregação que trate de Deus ou das coisas divinas. 
Foi nesse sentido generalíssimo que essa
palavra foi entendida pelo grande erudito romano
Marco Terêncio Varrão (séc. I a.C), cuja
distinção de três T. foi transmitida por S. Agostinho:
T. mítica ou fabulosa-, T. natural ou física-,
T. civil. A '1'. mítica ou fabulosa é utilizada
pelos poetas e admite muitas ficções contrárias
a dignidade e à natureza da divindade.
Pode-se considerar manifestação dessa T.
— revivida através da experiência de Kierkegaard
— a chamada "T. da crise" de K. Barth,
salvo pelo fato de esta não consistir na negação
dos atributos finitos de Deus, mas em considerar
a relação entre o homem e Deus como a
negação de todas as possibilidades humanas
(crise), que se reduziriam a meras impossibilidades,
de lal modo que só dessa negação
nasceria uma possibilidade de salvação, cuja
origem não é mais humana, porém divina
(Rõmerbrief, 1919).

TRABALHO (gr. TTÓVOÇ; lat. Labor, in. Labor,
fr. Travail; ai. Arbeit; it. Lavoro). Atividade
cujo fim é utilizar as coisas naturais ou modificar
o ambiente e satisfazer ás necessidades humanas.
Por isso, o conceito de T. implica: 1) dependência
do homem em relação à natureza,
no que se refere à sua vida e aos seus interesses:
isso constitui a necessidade, num de seus
sentidos (v.); 2) reação ativa a essa dependência,
constituída por operações mais ou
menos complexas, com vistas à elaboração
ou à utilização dos elementos naturais; 3) grau
mais ou menos elevado de esforço, sofrimento
ou fadiga, que constitui o custo humano do
trabalho.Do ponto de vista da ética religiosa. Kierkegaard
afirmava a estreita conexão do T. com a
dignidade humana: "Quanto mais baixo é o
escalão em que está a vida humana, menos necessidade
há de trabalhar; quanto mais alto,
tanto mais essa necessidade se manifesta. O
dever de trabalhar para viver exprime o universal
humano, inclusive no sentido de ser uma
manifestação da liberdade. F exatamente por
meio do T. que o homem se torna livre; o T.
domina a natureza: com o T. ele mostra que
está acima da natureza (Entuvder-Oder, II, em
Werke, III. p. 301).







V




Z

ZERO (in. Zero; fr. Zero; ai. Null; it. Zero). O
Z. foi introduzido como número só na matemática
moderna. Peano incluiu-o entre as noções
primitivas do seu sistema lógico (v. ARITMÍ.TICA).
Russell definiu o Z. como "a classe cujo
único membro é a classe nula" (Introduction to
MathematicalPhílosophy, III; trad. it., p. 35).
Em sentido metafórico, às vezes se diz.
ponto Z. para indicar o ponto de encontro
ou de equilíbrio de possibilidades diferentes.
Kierkegaard diz: "O que eu sou é um
nada; isso me dá. e ao meu gênio, a satisfação
de conservar minha existência no
ponto Z., entre o frio e o calor, entre a sabedoria
e a estupidez, entre alguma coisa e o
nada, como um simples talvez" ( Werke, IV,
p. 246).


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