terça-feira, 31 de maio de 2016

Os desenhos de Niels Christian Kierkegaard de 1838/1840

Niels Christian Kierkegaard (1806-1882) 
Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, Kierkegaard nunca teve uma fotografia tirada de si mesmo, ou de um daguerreótipo, como era então chamado. Os cidadãos de Copenhaga foram apresentados com essa técnica tão cedo quanto 1842 pelo pintor de retratos vienense Joseph Weninger, que montou um atelier na Bredgade, onde foi possível a ser imortalizado em quinze segundos durante oito rixdalers. Evidentemente que esta era quinze segundos demais para Kierkegaard. Como infeliz, embora mais consistente para um autor que escreveu pseudononymously, e persistentemente repetido que o que o leitor deve estar preocupado com foi o trabalho e não a pessoa por trás dele. 
No entanto, segundo o primo de Søren, Niels Christian Kierkegaard, conseguiu encontrar oportunidades para desenhar sua posterior tão famoso em relação a intervalos dentro de um par de anos. No desenho de perfil a partir de janeiro de 1838, a linha é extremamente delicada, há algo de sonho, mas também aristocrática sobre a juventude espiritual que tenha assumido essa postura. O desenho rosto completo, feito por volta de 1840, mostra a forma estreita do rosto, o que aguça para baixo das amplas em vez ossos da face também conhecido do pai de Kierkegaard e sua irmã Petrea. Os olhos são lindos, eternamente Olhos Abertos, enquanto as linhas dos lábios são animados.

Que ambos os desenhos representam uma idealização é suportada não só pela sobrinha de Søren Kierkegaard, Henriette Lund, mas também pela origem do próprio desenhos. Em uma carta de 30 de Janeiro, 1875 a PC Kierkegaard, irmão de Søren eo Bispo de Aalborg, ele escreve: "Você sabe que eu tirei um pouco rápido esboço do perfil do seu irmão em 1838 e alguns anos mais tarde iniciou outra no rosto inteiro, mas ambos os esboços são muito incompletos e pode apenas fracamente refrescar a memória de Søren para quem o conhecia pessoalmente; e longe de fornecer uma imagem exacta e completa para aqueles que nunca o vi. " 
razão de Niels Christian para a escrita era que ele tinha sido abordado várias vezes com pedidos para emprestar seus desenhos para" copiar e publicação para o público ", que ele, no entanto , tem até agora resistido. Em parte porque os desenhos estavam incompletos, em parte porque sabia que "Søren não queria deixar uma foto de si mesmo e, portanto, desempenhou o truque em mim de não mostrar-se -. Depois que ele tinha sentado para mim duas vezes" Uma vez que não estavam agora planos de criar um monumento para o solitário peculiar, Niels Christian, no entanto, não pensa que ele pode defender retendo seus desenhos, tanto mais porque a alternativa é que as "representações da Corsair" ser usado. O episcopal irmão mais velho responde com relutância e se desculpa a respeito de suas "considerações e para trás," em princípio, ele é contra, mas na prática ele tem que admitir que, a longo prazo, será difícil manter recusa. É verdade.

Crédito das fotos: foto 1 "Stukket af Knud Hendriksen". W.6298, Acc. 1919-458. Neg. 30217. ; foto 2 Stik. "Efter en Blyantstegning fra hans Ungdom". W.6300, Acc. 27.X.1907. Neg. 197.741.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Os heterônimos de Kierkegaard



Os heterônimos de Kierkegaard - p.309-315

Existem mais e vinte diferentes pseudônimos na obra de Kierkegaard. Mas, nem todos poder ser considerados verdadeiros heterônimos como eu os  defino, isto é, personagens-autores co personalidades completamente desenvolvidos e estilos diferentes do de Kierkegaard e de cada um dos outros. (Minha opinião é que Kierkegaard criou entre doze e treze verdadeiros heterônimos como explico abaixo), sendo os outros apenas ou seus personagens ficcionais ou meros nous-de-plume e não heterônimos ou alter-egos plenamente construídos. Esta é uma lista anotada dos mais importantes pseudônimos de Kierkegaard.

   1.    Alguém que Ainda Vive [One Still Living] (En Endnu Levendes;1938) é o autor da critica ao romance de H.C Andersen Apenas um tocador de Violino. Este não é um verdadeiro heterônimo, mas apenas um nom-de-plume tipicamente romântico. A referencia é a crença dele e de seu pau de que ele morrer ua antes de seu pai. O livro foi publicado pouco depois da morte d pai de Kierkegaard.
  2.       Victor Eremita (o hermitão vitorioso; 19430 é o personagem-editor de Ou(1943) para qual ele escreveu um “Prefácio”. O nome pode referir-se ao recente rompimento de Kierkegaard  com Regine Olsen, mas mais importante , ele expressa a descoberta de sua vocação. Ele é também o terceiro orador  no banquete  de Vino Veritas em estação na estrada da vida (1845).
  3.    “A” (1834/1843) era inicialmente apenas um nom-de-plume para alguns artigos polêmicos escritos durante os tempos de estudante de kierkegaard. Mais tarde “A” tornou-se um heterônimo plenamente construído, o personagem-autor responsável pela primeira parte de Ou-Ou (1843). “A” é um poeta e vive no estágio estético. Ele não tem um personalidade desenvolvida, fundamentada,e por isso não recebe um nome real, mas apenas a designação “A” que pode significar “aestethetica”, mas que se opõe a “B” no livro, que é o autor da segunda metade. “A” escreve folhas quarto de alta qualidade, com bela caligrafia, é de uma natureza refinada, idiossincrática, mas é um eu fragmentado, dividido entre manifestações disjuntas da vida, um barco sem vela movendo-se caoticamente sobre águas turbulentas.
  4.    Johannes o Sedutor (1843) é o personagem-autor de diário de sedutor em Ou. Ele é também o quinto orador no banquete de In Vino Veritas em Estação na Estrada da Vida (1845). É possível entender Johannes o Sedutor como um criação ou como um pseudônimo de “A”, o heterônimo que escreveu a primeira parte de Ou.
  5.    Juiz Vilhem (1843), aliás, “B” (1836) – é o personagem autor de toda a segunda metade de Ou e também da segunda parte de Estações para Vida, chamada “Algumas Reflexões sobre o Matrimonio em resposta a Objeções”(1845). Neste texto, o juiz é identificado no frontispício simplesmente como “ Um Homem Casado”. Na verdade, o pseudônimo “B” surgiu primeiro em 1836 como autor de alguns artigos polêmicos precoces. Nestas primeiras aparições, “B” é não mais que um nom-de-plume. Mais tarde, em Ou, “B” (agora identificado como Juiz Vilhem) tornou-se um heterônimo plenamente desenvolvido, representante par exellence do estágio ético de Kierkegaard. O juiz usa papel oficio para escrever, como um funcionário publico. Ele é um homem cuja vida é ordeira e cujas opiniões são eticamente fundamentadas numa impassível fé de Deus, no matrimônio e na sociedade que ele serve.
  6.    O Pastor de Jylland (1843) é a única designação para o autor do sermão no fim de Ou. Ele é uma verdadeiro personagem autor, e nem mesmo um nom-de-plume. É apenas um designação para o autor anônimo de uma peça que poderia muito bem ser visto como um tipo de pseudônimo criado por Vilhem que, que neste caso seria o autor do sermão.
  7.    Johannes de Silentio ( João do Silêncio; 1943) é o heterônimo responsável por Temor e Tremor (1843). Ele é um homem já de avançada idade, que está interessado em diferentes filosofias do seu tempo, mas percebe agora que foi iludido. Suas já antigas reflexões bíblicas e sobre Abraão o levaram a compreender a profundidade da vida de fé.Ele mesmo sente-se, ao mesmo na época em que escreveu o livro, incapaz de torna-se um homem de fé como Abarão. Johannes vive no estágio chamado ético-religioso, ou da religiosidade A.
 8.  Constantin Cosntantius (constante de pequena constância; 1843) é o heterônimo responsável por Repetição (1843), e é também o segundo orador no “banquete” de In Vino Veritas em estação  na estrada da vida (1845). Constantius vive na esfera ética, mas luta com suas limitações quando faz experimentos psicológicos com a atordoante noção que ele descobriu, ou seja, “a repetição”.(Gjentagelsen). 
  9.    O jovem (1843) é o personagem central re Repetição. Ele vive no estágio e escreve cartas a Cosnantinus. Ele é também o primeiro orador no “banquete” de In Vino Veritas em Estações na Estrada para vida (1845). Ele pode ser entendido como uma criação da mente de Constantius ou espécie de pseudônimo. Thompson interpreta Constantius como dizendo que “o jovem” é um devaneio de sua imaginação. O fato de ambos aparecerem como oradores no “banquete” de In Vino Veritas em Estações na Estrada da Vida torna esta teoria muito improvável, penso eu. Por outro lado, ele pode ser visto como o mesmo “A” de Ou, agora em diálogo com Constantius e não com o juiz. Curiosamente, Hans Brochner afirmava ser o modelo para o “Jovem” de Kierkegaard.

Referência: GOUVÊA, Ricardo Quadros. Paixão pelo paradoxo : uma introdução aos estudos de Søren Kierkegaard e de sua concepção da fé cristã / 2006 uma introdução aos estudos de Søren Kierkegaard e de sua concepção da fé cristã. São Paulo: Fonte Editorial, 2006. 320 p.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Esquema Kierkegaard


PÁGINA DIGITALIZADA:

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da filosofia. São Paulo: Paulus, 2004-2011. 7 v. 5.


Reale, G. Historia da filosofia, 5: do romanticismo ao empirocriticismo / G. Reale, D. Antiseri;
[tradução Ivo Storniolo]. - São Paulo: Paulus, 2005. - (Coleção história da filosofia)
ISBN 85-349-2359-0

1. Filosofia - Historia I. Antiseri,D . II. Titulo. Ill. Serie.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Kierkegaard e a Crise Religiosa

NUNES, Benedito. A filosofia contemporânea. Rio de Janeiro: Buriti, 1967. 194 p.

Benedito José Viana da Costa Nunes (1929-2011) foi um filósofo, professor, crítico de arte e escritor brasileiro. Foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia do Pará, depois incorporada à Universidade Federal do Pará, e da Academia Brasileira de Filosofia.

Páginas:53-73

 O pensador  Solitário

Soren Kierkegaard (1813-1855), que se opôs a Hegel e à ideia de sistema, no momento em que o hegelianismo era filosofia oficial, foi um desses pensadores solitários, em completa discordância com a época em que viveu. Pastor evangélico luterano, pregador em Copenhague, Kierkegaard foi um teólogo insatisfeito com a teologia, um cristão dissidente, que se recusou a aceitar o cristianismo exterior e institucionalizado. Voltando-se para as fontes da espiritualidade cristã, encontrou ele no movimento de interiorização, que mana das Confissões de Santo Agostinho, a única forma legítima de experiência religiosa em harmonia com o cristianismo.

Apologia do Cristianismo 

O pensamento do teólogo dinamarquês é, de certo modo, uma confissão. Intitulando-se "psicólogo humorista que faz experiencias" Kierkegaard captou, através de sua própria solidão, como já o fizera Pascal no séc. XVII, à margem do racionalismo cartesiano, as contradições da natureza humana que a razão não pode solucionar, e que geram o impulso da fé religiosa, qualitativamente novo, e incomparável  a outro qualquer momento da vida espiritual.
Desse modo, o pensamento confessional de Kierkegaard desenvolveu-se como experiência das contradições da existência individual, ao ritmo da vida interior e subjetiva , porta aberta à conversão religiosa. Sob tal aspecto, as intenções do teólogo dinamarquês, idênticas às de Pascal, desembocam numa apologia do cristianismo. Sem defender, porém, com simples razões, a necessidade da fé , procurou Kierkegaard reconstituir, em suas nascentes espirituais e subjetivas, o movimento originário da crença religiosa. Foi essa atitude que o levou a opor-se ao sistema hegeliano.

A polêmica contra  Hegel 

Embora afirmando-se polemicamente contra o sistema de Hegel, Kierkegaard não desprezou a fenomenologia do espirito e a dialética, as quais dele receberam uma nova interpretação.
Em Hegel, a individualidade propriamente dita culmina na consciência de si, mediada pela razão,ingressa na etapa do espirito objetivo. A consciência de si, como sentimento moral, é impotente para fundamentar os imperativos éticos. Não pode haver moral puramente interior, subjetividade. A voz da consciência, a principio em conflito com as normas exteriores de conduta, é superada por essas próprias normas, que possuem caráter geral e se situam  acima  da individualidade. O individuo, na filosofia hegeliana, torna-se uma instância ética passiva, uma parcela de ordem moral que o envolve, um súdito de Estado. Alcançada a etapa do espirito objetivo, os momentos anteriores se anulam: o individual cede posto ao universal, terminando o conflito entre consciência de cada individuo e a organização civil e politica. A primeira contestação definida de Kierkegaard a Hegel foi negar que a evolução espiritual do homem se produz no sentido da superação da individualidade. O espiritual depende da afirmação da individualidade; é em função desta que nasce o caráter geral e objetivo atribuído por Hegel às formações superiores do espirito. Desse modo, kierkegaard opõe à dialética da fenomenologia do espirito um outra, resultante da vida individual e interior do homem , e que dependendo, a cada passo, de uma afirmação da consciência, não se processa com desenvolvimento inelutável.

Etapas da Personalidade 

Três são as etapas do desenvolvimento da vida espiritual. acessíveis ao individuo por força de suas decisões pessoais: a estética, a ética  e a religiosa. A estética é o domínio do temporal, do finito e da liberdade ilimitada. Predomina aqui o sentimento da existência como gozo. A afirmação da personalidade é então poder exclusivo do próprio homem, concedendo valor absoluto àquilo que é o imediato, instantâneo e efêmero. O  Mundo e os homens, as coisas e os sentimentos, constituem, para aquele que vive no estágio, aspectos equivalentes de uma mesmo realidade mutável, extraordinariamente variada, sempre à disposição da sensibilidade. De experiência em experiencia, liga-se o homem estético ao imediato, concentra-se nas coisas fugazes, para delas extrair as expressões mais valiosas que não  se repetem nunca e que, permanecendo na memorio sob a forma de lembranças, estimulam a imaginação a recriar o passado ou  a distender-se na expectativa permanente de novas impressões fugazes."Detém-te, ó tu, que é belo". essa apóstrofe do fausto ao momento que se passa, exprime a atitude estética, desinteressada e contemplativa. Vivendo através da sensibilidade, o homem tenta fixar o eterno naquilo que é passageiro. Mas, por isso mesmo, o que há de eterno ou permanente não adquire, nessa fase, uma significação espiritual definitiva.
Identificar-se com as coisas, fruí-las até à exaustão, esgotar as particularidades  do real, captar todo e qualquer aspecto sensível, como um dom singular que nos é oferecido pelo mundo, tudo isso cabe no ideal estético, que historicamente, depois de encarnado pelo epicurismo e pelo estoicismo, se transfere para o sentimento de amor à natureza, proclamando por Rousseau nos tempos modernos. Uma das constantes da poesia romântica, esse ideal inspira atitude panteísta do individuo, aspirando fundir a sua existência particular com a do Universo. Em suma,o individuo que contempla esteticamente o mundo, acredita-o e valoriza-o tal como ele é.
Identificado-se com todas as coisas, pois que todas são de igual valor para a sua experiencia versátil, o homem não deixa de ter consciência de si. Mas não aprofunda essa consciência e só se interessa pelo sue próprio Eu, enquanto sujeito de múltiplas experiencias, que mudam sem cessar, e cuja lei é o impulso de sua vida interior que inspira ao infinito. Finalmente, o homem estético, que gostaria de ultrapassar os limites da experiencia individual e de identificar-se com as causas gerais do Ser, insurge-se contra todas as limitações. Esse desejo é o momento da aspiração fáustica, da consciência demoníaca de poder. Não há para o individuo um destino a cumprir; é ele mesmo, na dissipação interior em que vive, a medida de todo destino. "Sua alma, diz Kierkegaard, é como um terreno onde crescem, com igual direito, todas as especie de ervas; seu ser repousa nessa variedade e ele não tem outro ser além desse"(Kierkegaard, Alternativa, pág.514, Gallimard, 8.ªed. Paris, 1949).
A Etapa Ética -  Entre a simples afirmações estética da individualidade e o reconhecimento do homem, como sujeito ético, em função do Dever, há uma enorme distância. Para transpô-la, é preciso que o individuo se decida a limitar sua liberdade. É limitando-a que pode aderir a um destino superior. O estágio ético, em que esse destino se concretiza, é aquele que se resulta da escolha que o individuo faz de si mesmo, afirmando-se como universal humano. Os seus atos já não apresentam a oscilação indiferentes do estético. São atos decisivos, que encontram na existência individual o seu objeto de interesse máximo, inconfundível-lhe em sentido geral. O que é geral na ética (a obrigação, o dever) não absorve a individualidade, nem se lhe impõe do exterior: origina-se de uma decisão, decisão pela qual o homem assume livremente, como seu próprio destino, o destino comum da humanidade. Essa escolha é o ato gerador do Dever, a partir do qual o imperativo categórico passa a existir.
A individualidade subsiste no estágio ético. É dela que provem a decisão sobre o que é valioso, Decidindo para agir e agindo para ser, só então o individuo conquista a plena realidade que lhe faltava no estágio estético. Por meio de atos concretos de fidelidade, amor, renuncia, arrependimento, a vida individual, no estágio ético, são só está voltada para o universal, como tende livremente, a realiza-lo e a completar-se nele: "Encara-se geralmente e Ética como algo inteiramente abstrato e é por isso que ela é detestada em segredo. Quando se pensa que ela  é estranha à personalidade, é difícil alguém entregar-se a ela, porque não se sabe ao certo o que disso resultará".(Op.cit.,pág. 535, idem).

O Salto Qualitativo

O movimento dialético que conduz do estético ao ético, não se opera, segundo Kierkegaard devido ao dinamismo lógico inerente ás contradições. As contradições condicionam a passagem de um a outro estágio. Porém o transito mesmo não se efetiva, como admite a dialética hegeliana, por efeito do influxo quase mágico da mediação. O movimento dialético é aqui um ato de liberdade, que kierkegaard denomina salto qualitativo: movimento súbito, perfazendo-se instantaneamente, à maneira de uma conversão. Dai a natureza qualitativa do salto. Mais uma vez em discordância com a dialética hegeliana, kierkegaard substitui a ideia de desenvolvimento pela mudança, e faz da mediação, e me vez uma síntese, como unidade do contrários, um espécie de conciliação dialética , na qual os contrários , permanecendo vivos, mutuamente se ativam e compõem a "harmonia por tensões opostas", de que falou Heráclito.
Assim a individualidade ganha, no estágio ético, uma nova dimensão. É através do geral que ela vence a indiferença caraterísticas do estágio estético. assumindo o Dever, sacrificando-se pelos outros, voltando-se à renúncia e à resignação, o individuo descobre-se interessando-se na sua própria existência.

O Estágio Religioso
  
O salto qualitativo, que é decisão e que, por ser decisão, é o ato de liberdade, instantaneamente consumado, pressupõe o interesse profundo, que nada tem de abstrato, pela existência. Interesse, consciência de existir, inquietação, sofrimento, aspiração do infinito, desejo de imortalidade, tudo isso integra o conceito de paixão (pathos), frequentemente utilizado por Kierkegaard. A paixão é a mola da dialética; sem ela, faltaria ao espírito o impulso e a elasticidade que o fazem saltar. Não há salto sem paixão, o que equivale a dizer que o movimento dialético, inseparável da paixão, nasce de um dinamismo anterior ao processo conceptual. "Todo movimento do infinito se realiza de modo apaixonado, explica Kierkegaard; a reflexão não é passível de produzir qualquer movimento. É o salto perpétuo na vida que explica o movimento. A mediação é uma quimera, que em Hegel,deve explicar todas as coisas, e que é ao mesmo tempo a única coisa que ele nunca tentou explicar".(S.Kierkegaard, Temor e Tremor, pág.60 Aubier, Ed. Motaigne, Paris, 1946).
Até onde a paixão pode levar o homem? Chegando ao estádio ético, o individuo  parece ter alcançado a culminância de sua vida: impõe-se limites, age racionalmente, não quer o impossível e sabe o que quer. Em tudo, tal como Sócrates, age com perfeita lucidez; e é essa lucidez, justamente com a renúncia, que decorre da aceitação do Dever, e que pode atingir o grau de resignação infinita, o que lhe assegura uma certa consciência eterna. Sócrates, exemplo perfeito de homem ético, nada mais pode esperar da existência a não ser a continuidade da mesma atitude racional, que deu à sua vida o sentido de uma vocação. Eticamente, a paixão de Sócrates está esgotada e ele atingiu a plenitude.
Outros  veios subterrâneos alimentava, a paixão e aguçam a contradição entre o infinito e o finito, e o temporal e o eterno, até que não se pode mais conceber um possibilidade racional de conciliar extremos, No entanto, a paixão os retoma, tentando uni-los. Seu objetivo já se situa num terreno estranho à ética, incompatível com a lucidez socrática, que representa a sabedoria puramente humana. Sob a força dessa máxima tensão, saltando um vez mais, o espirito vai cair no domínio religioso, cuja dialética é a fé. A Fé, para Kierkegaard, é o supremo paradoxo da vida. Seu objeto, o Deus vivo, que se revela aos homens, e que adota a força humana para salvá-los do pecado, é paradoxal. Implicando em admitir, ao mesmo tempo, a união do temporal com o eterno e a distância que separa o ser humano do ser humano do ser divino, a Fé, racionalmente falando, exige que creiamos no Absurdo, e que do Absurdo façamos a nossa esperança.
Aquele que crê aceita o Absurdo, ou melhor, transforma o Absurdo, que é irracional, na substância de sua propria vida; recusa o Entendimento, para submeter-se sob o império da mais a alta forma de paixão, à dialética da fé, " a mais sutil entre todas", porque é a dialética do paradoxo. O salto qualitativo que do ético leva ao religioso é como um salto vazio.Por isso o verdadeiro crente hesita antes de dá-lo. Reduzido à solidão, desligando da universidade moral já alcançada, o seu ato desprende-o da razão e constitui um escândalo para inteligencia. "Não posso empreender o movimento da fé, não posso fechar os olhos e atirar-me, de cabeça, cheio de confiança. no Absurdo;isso é impossível, porém não me glorio por esse fato".(Op.cit.,pág.43,idem.)
É assim que o crente deve falar quando ainda lhe falta paixão, quando seu pensamento, cioso de objetividade, ainda não aderiu à forma suprema da paixão do pensamento, que é o paradoxo. Mas se o seu interesse pela existência é infinito, ele acitara o primeiro grande paradoxo: que para Deus nada é impossível. A categoria de possibilidade é subvertida pela fé, cujo dom maior, no que concerne à pessoa do crente, é afiançar-lhe a realização de coisas impossíveis.Sócrates, o cavaleiro da Moral, não chegou tão longe nesse ponto quando Abraão, o cavaleiro da Fé, quando, submetendo-se à vontade de Deus, levou seu filho Isaac para o lugar do sacrifício,e o recuperou no mesmo instante em que deveria matá-lo. Abraão admitiu o paradoxo de que  a sua submissão à vontade infinita de Deus lhe devolveria o filho, pelo caminho inverso do amor de Deus aos homens. Isaac recobrou a vida que parecia perdida. Salvou-o a fé exemplar de Abraão, que "após ter realizado o movimento do infinito, cumpre o finito".(Op.cit.,pág.51, idem)
O resultado desse movimento, produto do valor devolutivo da fé, é a espécie de paradoxo que Kierkegaard chama de repetição. Mas toda cristã esta constituída sobre paradoxos, os quais são culminância das contradições da existência: pecado/salvação, Deus/homem, finito/infinito, possivel/impossível. Que maior paradoxo do que o próprio advento do cristianismo, que é, ao mesmo tempo, fato histórico e momento sobrenatural?
O estágio religioso, que se situa acima de ético, é aquele em que a individualidade volta a possuir a importância sacrificada ao caráter universal do Dever.
Trata-se de uma recuperação dialética por meio da qual o individuo, realizando o salto qualitativo da Fé, se encontra a si mesmo no que tem de mais real: a sua natureza de existente. É como existente que ele se defronta com o absoluto: relacionamento instantâneo, que resume todos os paradoxo do cristianismo nesse despojamento total do existente diante de Deus bíblico, vivo e terrível, que é uma entidade pessoal, mas cujo amor não pode ser entendido se lhe aplicarmos o critério do amor humano.
O Absoluto é, para Kierkegaard, como foi para Hegel, o que há de mais concreto. Entretanto, o sentido do ser concreto dista muito daquele Espírito, aceito pela filosofia hegeliana, no qual se completa, sintetizando todas as mediações, a identidade do pensamento com o real. Em Kierkegaard, a dialética do espirito, que principia com a afirmação da individualidade, termina no plano do absoluto, que é também a do absoluto, objeto da fé, não acessível, à inteligência, senão sob a forma de paradoxo. Mas, nesse caso, o Absoluto é uma outra subjetividade vivida, imediata. Assim, sendo instantâneo e subjetivo esse relacionamento entre o homem e Deus que ocorre por obra da Fé, na intimidade do individuo que desceu ao mais profundo de si mesmo, pode-se dizer que Kierkegaard restabeleceu o valor da subjetividade ou da consciência individual, restabelecendo, igualmente , o valor do imediato que, para Hegel, é apenas o primeiro superável momento do Espírito.



Existência Individual - A vida  Subjetiva

Não esquecemos que kierkegaard foi, antes de tudo, um teólogo. Pensador cristão, dedicou sua obra à redescoberta do cristianismo. É esse dado que devemos levar em conta na caraterização da vida subjetiva, feita por Kierkegaard, cujo pensamento é inseparável da experiência religiosa que lhe deu origem. Além de ter constituído ponto de relevo na polemica travada com Hegel, a importância fundamental que para ele a subjetividade assumiu, resultou do fato de as relações entre homem e Deus se produzirem no recesso da vida interior, subjetiva, no domínio privilegiado que o solitário de Copenhague denominou de existência.
 As caraterística essenciais da vida subjetiva, segundo Kierkegaard, cabem  numa expressão, que já conhecemos: consciência infeliz. O homem é desejo, inquietude e sofrimento. Tudo isso faz parte da condição humana e mortal, que Pascal, afastando-se completamente da ideia da felicidade que o racionalismo de Aristóteles e dos estoicos reputou fundamental, descreveu em seu Pensées. Do ponto de vista pascalino, a  infelicidade não é um estado passageiro, resultante do desequilíbrio de nossas faculdades, quando lhes falta o controle racional. Trata-se de uma privação, que é permanente, de um desequilíbrio, que é intrínseco e constitutivo da natureza humana. Abrigando ao mesmo tempo grandeza e miséria , contrários que se alternam, e de cuja oposição resulta a consciência infeliz, a natureza humana é contraditória. Dividida, em conflito consigo mesma, movida pela inquietação que a devora, entregue à ação, dispersa no objetos exteriores, ela vive mais do desejo do que da satisfação; e esse movimento, que deveria satisfazê-la e completá-la, e que só faz intensificar a inquietude e o desejo, é o conteúdo do  Desespero, categoria da existência humana para Kierkegaard.
O desespero Humano (1849), como é mais conhecido o Tratado do Desespero (A doença mortal), inexcedível quanto à argúcia psicológica, exemplifica bem o sentido da dialética em Kierkegaard. A consciência infeliz não pode ser ultrapassada, isto é, ela não pode, por si mesma, sintetizar as suas contradições, porque o homem, "síntese do infinito e do finito, do temporal e do eterno, de liberdade e de necessidade, é, em suma, uma síntese".(O desespero humano, pág. 34, livr.Tavares Martins, Pôrto,1947). A consciência infeliz é a consciência de si ou consciência do próprio Eu, emergindo de uma relação de contrários, de cuja oposição nasce a inquietude que mobiliza o desespero. (cf. Intr.,II,2.) O desespero, que canaliza essa inquietude geral,tem um objeto específico: o próprio Eu. è do Eu que desesperarmos. Desesperar é insurgirmos-nos contra o nosso Eu, o que se verifica tanto quanto estamos empanhados em encontrar a verdadeira substância daquele que possuirmos, como quando procuramos conquistar um novo, Eu, que projetamos ser. No primeiro caso, desejaríamos extinguir  as contradições interiores. Mas como tais  contradições são próprias da consciência, desejar um Eu sem conflitos, estável e substancial, é o mesmo que querer outro Eu. Desse modo, o desespero é sempre a manifesta intenção de radical mudança do ser que é.
O homem não desespera por alguma coisa e sim de  si mesmo. "desesperar de si próprio, querer, desesperado, liberta-se de si próprio, tal  é a fórmula de todo desespero.(Op..cit.,pág.44, idem.)


Angústia

Há no entanto, para Kierkegaard outra categoria da existência humana, mais fundamental que o desespero: a angústia, estudada em O Conceito de Angustia, uma simples investigação psicológica orientada para o problema dogmático do pecado original(1848).
A conceituação Kierkegaardiana de angústia é uma tentativa de concepção dialética do problema da queda e, consequentemente, da origem do pecado, no estado de inocência, que pressupõe a ignorância da distinção entre Bem e Mal, cometido a primeira falta, que o distanciou de Deus, contaminando a espécie? Não se poderia conceber o pecado como afirmação pura da liberdade. Se assim fosse, a liberdade seria um ato de rebeldia, de rompimento gratuito com Deus, o que contradiz a ideia da relação edênica inicial entre o Criador e a criatura. Mas também é inconcebível, pelos mesmos motivos, que o pecado tenha sido fruto ou da tentação ou da proibição: se da tentação, importaria em admitir que Satã seduziu o homem, se da proibição, resultaria que esta foi da parte de Deus, tão sedutora quanto a tentação da parte de Satã. Qualquer das duas hipóteses é incompatível com o postulado teológico da inocência primitiva.
Para tornar compreensível a passagem da inocência ao pecado, como movimento dialético, será preciso admitir-se a possibilidade só segundo existindo na realidade da primeira. Mas que é a possibilidade de falta  senão um possivel ato de desobediência e, portanto, uma ação negativa, precisamente aquela que foi interditada? Tal ação não foi determinada por necessidade exterior ou compulsão interna. Nenhum fator propriamente dito, nenhuma causa produtiva, operou no cometimento do pecado original, o que equivale a dizer que a primeira falta resultou de uma possibilidade. No estado de inocência nada havia, a não ser o espirito, que pudesse determinar o homem a agir. Mas o espirito humano seria nesse estado, uma como projeção imaginária de si mesmo, sem conteúdo real, constituindo uma simples possibilidade.
Ora, a angústia, no sentido geral, dicionarizando, significa aflição ou ansiedade. Psicologicamente é um sentimento ambíguo: quem se angústia, sente-se atraído pela aflição que domina, e quer, ao mesmo, tempo, libertar-se dela. A vaga ansiedade manifesta no ânimo de correr aventuras, comum às crianças, e que , embora se traduza pela expectativa de "coisas monstruosas e enigmáticas", não tem um objeto definido, é angústia. Quem se angústia, não sabendo qual é a causa de seu estado de espirito, poderá dizer e mesmo que é por nada que se aflige. Essencialmente ambígua, a angústia,que Kierkegaard define como "antipatia simpatética e simpatia antipatética", cujo objeto, negativo, " é algo que não é nada", constitui a natureza do espírito humano no estado de inocência. "Nesse estado há paz e repouso,mas há ao mesmo tempo, outra coisa que não e guerra nem agitação - pois não há nada contra o que lutar. Que é isso, então? Nada. E que efeito produz? Nada. Produz angústia. O profundo mistério da inocência é ser angústia. O espírito projeta, como num sonho, a sua própria realidade; mas essa realidade é nada; a inocência vê sempre o nada diante de si"(Kierkegaard, O conceito de angústia, pág. 44, Espasa-Calpe, B.Aires, 1940).
A proibição divina equivaleria à possibilidade da falta, no estado de inocência. É a angústia que, concomitantemente, revela ao homem, nessas possibilidade, a existência de sua própria liberdade. Mas a distância imensa que há entre a inocência e o pecado, o abismo que vai da possibilidade à liberdade, só podem ser eliminados por um salto qualitativo, por um movimento irredutível e instantâneo, que se processa em meio de uma decisão angustiante: a queda.
Como se vê, a angústia é, para kierkegaard, a categoria fundamental da vida religiosa, enquanto origem e consequência do pecado. De um modo geral, porém, constitui ela o poder inerente à liberdade, ou antes a possibilidade mesma da liberdade. Sob esse aspecto, sem dúvida o mais importante do ponto de vista filosófico, trata-se do poder originário e negativo da subjetividade, categoria inalienável da existência humana. O conceito categoria inalienável da existência humana. O conceito de angústia aproxima-nos, pois, da noção de existência um dos temas básicos do pensamento filosófico atual.

A Existência 

A palavra existência, derivada, de existentia, tem, precisamente, na termologia filosófica tradicional,sentido oposto a essência (essentia). Ambos os vocábulos estão vinculados ao sentido mais geral de Ser (esse). Quando concebemos algo, pensando o Ser no sentido geral da palavra, o que visamos é uma natureza determinada idêntica a si mesma - a essência - que pode ou não existir. Tal era o princípio comum às correntes da escolástica e da filosofia árabe do séc. XII. (cf.Intr,. 2,1.) Alguns filósofos chegaram até a defender a tese que a existência é um acidente relativamente à essência(Avicena). Existir - pensavam os escolásticos -  é ser produzido, é fazer-se atual mediante causas(ex alio sistere). Determinação concreta, contingente, a existência não corresponde ao primeiro sentido do Ser e geral (esse). Muito mais tarde, refletindo toda essa evolução do problema , Kant viu na existência a propria categoria da realidade, isto é, o modo pelo qual no nosso pensamento afirma que para cada intuição sensível  dos fenômenos, situados no tempo, corresponde algo realmente dado.Assim concebida, a existência não é mais um domínio efetivo do Ser, correlativo à essência mas a simples posição dos objetos no tempo. Portanto, dizer que existem coisas é, para Kant, formular um juízo de realidade. A existência mesma não seria um atributo ou predicado, e dela nada se pode predicar. 
Independente da realidade,que é um categoria do pensamento, aquilo que segundo a concepção kantiana, se poderia chamar de existência pura, como o ato de ser ou de existir, é simples posição. Inssucetivel de receber a forma de um Conceito, ela ficaria, dessa maneira, à margem do conhecimento verdadeiro. Kant limitou-se a reconhecer a irredutibilidade da existência pura aos conceitos do pensamento. Mas, dada a função exclusiva, de Critica do conhecimento raciona, que Kant atribui à filosofia, essa noção de existência, como algo efetivamente dado, e que  constitui um realidade originária - com a qual o pensamento se defronta, sem poder sintetizá-la - não poderia ter, de seu ponto de vista, senão valor residual.


Existência e Pensamento

Do ponto de vista de Kierkegaard a existência possui valor filosófico fundamental devido a essa irredutibilidade ao pensamento racional. Se for impossível sintetiza-la, submetendo-a a ordem dos conceitos que caracterizam o conhecimento objeto, e às mediações dialéticas que suprimem o imediato, é muito mais impossível, ainda, abstraí-la, tentando-se neutralizar a sua presença iniludível. Mas será dizer quase nada acerca do conteúdo da noção Kierkegaardiana de existência o afirmar-se que Eça significa, de um modo geral, a posição das coisas ou dos objetos que existem.
Essa existência geral dos seres, concebida pelo pensamento, é apenas um ideia abstrata. Assim. Podemos conceber a existência de uma coisa como a atualidade que ela tem, com aquilo que a faz possuir esta ou aquela forma. Por mais que enumeremos outros aspectos, o ser existente será sempre, para mim, um objeto de pensamento, o qual só por meio de ideias pode ser captado. É algo que conheço mediante uma relação exterior, conceptual, abstrata. Essa existência objetiva tem a realidade própria dos fatos exteriores que o pensamento abrange. Nesse sentido, a existência traduz um dado geral, inteligível, as deixa de ser uma realidade para mim.
A existência que não podemos abstrair, e que se nos oferece como posição no tempo, realidade imediata e vir-a-ser, à qual nos encontramos vinculados por uma relação interior que nenhuma síntese conceptual pode eliminar ou superar, é a nossa própria existência, Eis a primeira realidade para Kierkegaard, a realidade com que sempre temos que contar: a existência individual, subjetiva e temporal que somos. Grande é a distância que há entre essa concepção e a tradicional. A existência se interioriza e individualiza, passando a significar a posição do sujeito existente. Mas ainda: é o interesse permanente desse sujeito, a ele se impondo como realidade imediata, que precede qualquer outra, inclusive a que o conhecimento objetivo atinge. Ora, a existência (e já empregaremos a palavra, daqui por diante no sentido Kierkegaadiano) que não é objeto, escapa à órbita desse conhecimento objetivo, formado por conceitos, adequados à capacidade abstrata e generalizadora do pensamento. Ela é, por assim dizer, pré-objetiva. “Chama-se a existência um acessório ou um eterno prius, ela jamais poderá ser provada”. (S.Kierkegaard,Migalhas Filosóficas,pág.101,Éditions Du livre français, Paris, 1947.) Daí podermos também dizer que a existência, além de pré-objetiva, é pré-racional.

Conhecimento da Existência


Não se diga, porém que ela é incognoscível. Ao contrário, dada a imediatidade, para o homem, entre ser e existir, o conhecimento que temos da existência é fundamental, prioritário. O homem se conhece a si mesmo como existente. Esse conhecimento, inseparável da experiência individual, não transforma a existência num objeto exterior ao sujeito que conhece.
Nesse novo domínio, o conhecimento surge de uma reflexão da existência  sobre si mesma. Estamos longe do idealismo, que procurou justamente, como nos mostra a filosofia cartesiana, absorver a existência no conhecimento. A primeira certeza para Descartes – penso, logo existo – expressou lapidarmente esse propósito. Na verdade, pretendo deduzir a existência a partir do pensamento, o que Descartes encontrou foi, de fato, a existência abstrata do próprio pensamento. Mas o abstrato, como diz Kierkegaard, não existe. Descartes, suprindo o momento da existência, abstraindo-se de sua realidade de ser existente, apenas consegui formular uma tautologia: penso,logo existo quer dizer penso logo penso. “Concluir do pensamento a existência é assim uma contradição, pois que o pensamento retira a existência da realidade, e, ao pensá-la, suprime-a e converte-a em possível”. (S.Kierkegaard, Post-Scriptum às migalhas filosóficas, pág, 212, Gallimard, 9.ªed.,Paris (1949.)
A contradição a que Kierkegaard se refere, nessa passagem, revela-nos uma posição fundamental, que pertence à dialética da existência humana, e que é semelhante à que se verifica com o movimento. Se tentamos determinar conceptualmente a existência  e o movimento, escapa-nos o que ambos têm real, e tanto a primeira como o segundo se apresentam sob a forma de possibilidade. Dá-se, porém, que esse resultado negativo é apenas o primeiro passo da dialética. Sob outro aspecto, a existência, que “não se deixa pensar”, é simultânea ao pensamento: “aquele que pensa, existe manifestando-se, pois, a existência, ao mesmo tempo em que o pensamento”.
Entre esses dois termos opostos, existência e pensamento, que parecem inconciliáveis, é a própria oposição, é o conflito mesmo que os une e que os separa, é o movimento de um no outro, o único nexo essencial e completo. Mas, para que a existência se mantenha imune ao bloqueio da abstração e não se torne mera possibilidade ou ideia, é preciso que o pensamento não se desligue da paixão, e que pela paixão vá buscar impulso na existência.
Que é a paixão, para Kierkegaard, senão os interesses do ser humano pela sua própria existência? Voltamos assim à paixão de que tratamos no começo. Sendo a paixão, para Kierkegaard, o pináculo da subjetividade, a existência real, que ao pensamento se liga, é a existência subjetiva, aquela com que o individuo se preocupa quando toma consciência de si.
Podemos, agora, a guisa de conclusão, esquematizar, utilizando expressões textuais do pensador, respigadas, aqui e ali, de seu Post-Scrpitum, os pontos básicos da concepção existencial de Kierkegaard: 1) – Existir, se não endentemos por isso um simulacro de existência, é coisa que não se pode fazer sem paixão”( pág.208);2) – “Todos os problemas da existência são passionais, pois tornam-nos apaixonados quando temos consciência de existir”(pág.236);3)- “ A realidade é o que interessa, porque dentro dela que existimos”(pág.229);4)- “ A realidade é um interesse entre a unidade abstrata hipotética do pensamento e o ser” (pág.210);5) – “ A abstração é desinteressada, mas a existência é o supremo interesse daquele que existe”(pág.209);6) – “ A única realidade que há para um homem existente é a sua própria realidade ética...” (pág.221);7) -  “ O conhecimento essencial diz respeito à existência; por outras palavras, o conhecimento que se refere essencialmente à existência é o único conhecimento essencial”(pág.130).
Fixam os pontos acima as matrizes da filosofia da existência. Teremos que acrescentar a essas teses, para que fiquemos com a ideia mais completa possível da concepção Kierkegaardiana, alguns enunciados característicos sobre o clássico problema da verdade. Torna-se claro, que do ponto de vista da existência, o conceito da verdade com “adaequatio rei et intellectus” é insuficiente e até mesmo falso. Sem paixão, o que é verdadeiro apenas objetivamente se desvincula da verdade primordial, que pressupõe a relação subjetiva do individuo consigo mesmo.
Desse modo, o problema da verdade não pode ser desvinculado daquilo que antes chamamos vida individual e subjetiva. A adequação do pensamento ao Ser só pode realizar-se por intermédio do movimento subjetivo da existência, que é a apropriação da verdade. Uma verdade que não é minha, da qual não me apropriei, não é realmente verdadeira. Faltar-lhe-ia o substrato passional da inquietação, que se relaciona através do movimento dialético e temporal da existência como vir-a-ser, o individuo e sua subjetividade com o infinito. Compreende-se, pois, de acordo com essa perspectiva, a afirmação tantas vezes repetida por Kierkegaard: “A subjetividade é a verdade, a subjetividade é a realidade”.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Esquema Kierkegaard


Dossiê Kierkegaard 200 anos revista Cult

Revista Cult, publicação conhecida dos interessados em humanidades, tem o bicentenário de Kierkegaard como a matéria de capa deste mês de maio. Os artigos são de Álvaro Valls, Jonas Roos, Humberto Quaglio e Gabriel Ferreira.O Congresso Kierkegaard – 200 Anos Depois também aparece na publicação.
Revista Publicada em maio de 2013



Nas origens da filosofia contemporânea
Kierkegaard foi um filósofo rigoroso cuja contribuição no âmbito da filosofia dos séculos 19 e 20 ainda está para ser aferida
Gabriel Ferreira da Silva
“Durante minha visita a Freiburg, sabendo que eu nunca havia lido Kierkegaard, Husserl começou não a pedir, mas a ordenar – com enigmática insistência – que eu tomasse contato com as obras do pensador dinamarquês. Como podia ser que um homem cuja vida havia sido a celebração da razão devesse conduzir-me ao hino de Kierkegaard ao absurdo? Husserl certamente parece ter tido contato com Kierkegaard apenas durante os últimos anos de sua vida. Não há evidência em seus trabalhos de familiaridade com nenhum dos escritos do autor de Ou isto ou aquilo. Mas parece ser claro que as ideias de Kierkegaard impressionaram-no profundamente.”
Que Kierkegaard tenha sido uma influência fundamental no pensamento do filósofo russo Leon Shestov (1866-1939), que nos relata o episódio acima, não é novidade alguma. Mas que tenha sido o filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938) que, por assim dizer, os apresentara é, no mínimo, curioso. Embora Shestov pinte com cores demasiadamente fortes a diferença entre os pensamentos de Kierkegaard e de Husserl, é verdade que dificilmente os dois filósofos apareçam num mesmo contexto. Mas, se a caracterização de Kierkegaard por Shestov como um opositor da racionalidade e um apologeta do absurdo é exagerada, é fato que esses clichês conheceram vida longa no que diz respeito ao modo como o filósofo dinamarquês foi lido e compreendido. Exatamente por isso é que surpreende, de certa maneira, ver Husserl recomendando efusivamente a leitura de Kierkegaard.
Kierkegaard irracionalista?
A avaliação da contribuição de Kierkegaard para os problemas filosóficos próprios aos séculos 19 e 20 é quase que exclusivamente mediada pela visão que se tem dele como essencialmente irracionalista e crítico severo de qualquer filosofia rigorosa, donde os efeitos e consequências de sua obra só podem se fazer sentir num escopo muito restrito. A ele restou, portanto, ser o “pai do existencialismo”, o “contemplador inocente do paradoxo”, o “defensor inconsequente da fé de Abraão” e alguém cujo pensamento só ganha vida e força pelo pitoresco presente em sua biografia. À filosofia dita séria, Kierkegaard nada teria a dizer, já que, como afirma mesmo Sartre, sua filosofia é uma antifilosofia, e sua crítica é como um grito do indivíduo existente contra a opressão acachapante da Razão. No entanto, será que essa recepção faz jus inteiramente a alguém que estudou filosofia na universidade por dez anos, sendo conhecedor de grego e latim, descrevendo-se a si próprio como extremamente influenciado pelos filósofos antigos, mas citando, ao mesmo tempo, Kant, Spinoza, Leibniz, Lessing, Fichte, Hegel e Schelling? Não se trata de fazermos aqui uma acusação de injustiça histórica, mas não podemos nos furtar à constatação de que, se por um lado os ecos do pensamento de Kierkegaard na teologia são amplamente conhecidos e reconhecidos, no que diz respeito à filosofia, grande parte dessa história ainda está por ser escrita. Isso se deve, em larga medida, ao fato de que aquele estranhamento que nos surge ao pensarmos, por exemplo, em um Husserl leitor de Kierkegaard provém de certa caricatura de seu pensamento e da forma com que julgamos compreender sua relação com a filosofia. Assim, pode ser elucidativo remontar a alguns aspectos tão fundamentais quanto esquecidos.
Em 1841, após defender a tese sobre O conceito de ironia constantemente referido a Sócrates, que lhe conferiu o título de magister, Kierkegaard faz sua primeira viagem a Berlim, onde frequenta as aulas de Schelling. Contudo, relembrando esse evento alguns anos mais tarde, Kierkegaard faz a seguinte avaliação de sua estada berlinense em seus diários: “Na primeira vez que fui a Berlim, Trendelenburg era o único que eu não me animei a ouvir – para ser exato, ele foi descrito como sendo um kantiano. E eu praticamente ignorei o jovem sueco que viajava comigo e que pretendia estudar apenas com Trendelenburg. Oh, tola opinião à qual eu estive preso naquela época” (Papirer VIII1 A 18, 1847).
Kierkegaard e Trendelenburg
Mas quem foi Trendelenburg? Filósofo, filólogo e tradutor alemão, Friedrich Adolf Trendelenburg (1802-1872) foi um dos principais articuladores da oposição à lógica de Hegel. Seu opúsculo A questão lógica no sistema de Hegel, de 1843, deu não só as contribuições fundamentais para a discussão sobre o papel e a função da lógica no período após a morte de Hegel, como deu o nome pelo qual esse movimento ficou conhecido. Entre aqueles que assistiram a suas aulas e os indiretamente influenciados por ele estão nomes centrais que fazem com que, a partir de Trendelenburg, seja possível identificar uma miríade de problemas e relações ab- solutamente determinantes para se compreender toda a filosofia de fins do século 19 e, consequentemente, do 20. Movido pela intensa retomada de Aristóteles empreendida por Trendelenburg, Franz Brentano (1838-1917), um de seus mais notáveis discípulos, foi peça-chave para a fenomenologia de Husserl, que, por sua vez e não por acaso, confere à sua obra magna o mesmo título do principal livro de Trendelenburg: Investigações lógicas. Por sua vez, Hermann Cohen (1842-1918), nome basilar do neokantismo e aluno de Trendelenburg, publicou em 1871 um longo ensaio sobre a controvérsia entre Trendelenburg e Kuno Fischer. Tal controvérsia acerca da interpretação da Estética Transcendental de Kant era conhecida por Gottlob Frege (1848-1925), que, pela leitura da coletânea de ensaios de Trendelenburg em três volumes, intitulada Contribuições históricas à Filosofia, tomou contato com o ensaio deste sobre Leibniz. É nesse texto que Frege encontra o termo cunhado por Trendelenburg para descrever a characteristica universalis de Leibniz e que assume como nome de seu próprio sistema: Begriffsschrift (conceitografia). Como se pode ver, mesmo as correntes analítica e hermenêutico-fenomenológica da filosofia moderna e contemporânea, ditas tão diversas, encontram em Trendelenburg um ponto de convergência, não meramente histórico, mas com profunda coesão temática.
Todas essas relações são, em maior ou menor grau, conhecidas por aqueles que se dedicam às origens da filosofia contemporânea. Todavia, a presença de Kierkegaard no desenvolvimento de problemas daquele momento é praticamente ignorada. Na mesma entrada já citada de seus Papirer, Kierkegaard afirma: “Não há filósofo moderno do qual eu tenha aproveitado tanto quanto de Trendelenburg. […] Minha relação com ele é muito especial. Parte do que me interessou por um longo tempo é a doutrina das categorias. E agora Trendelenburg escreveu dois tratados sobre a doutrina das categorias que eu estou lendo com o maior interesse”. E não ficou nisso: além da referida obra sobre a doutrina das categorias, havia na lista dos livros constantes da biblioteca de Kierkegaard sete outras obras do filósofo alemão lidas com afinco pelo dinamarquês.
Se um Husserl leitor de Kierkegaard já pode causar espanto, o que dizer então de um Kierkegaard interessado pelos problemas das categorias? Ou então, como entender, com base numa leitura que não abandona os pressupostos banais sempre repisados, a discussão sobre os conceitos de movimento e de negação na Lógica, presentes em um livro cujo título parece absolutamente avesso a tais assuntos como O conceito de angústia, no qual Kierkegaard, ao tratar de tais temas, planejara enviar o leitor àquilo que ha- via de melhor sobre o assunto, a saber, o opúsculo de 1843 de Trendelenburg (cf. Pap. V B 49:6, 1844)? Para aqueles que leem Kierkegaard apenas a partir de certa matriz irracionalista, talvez cause ainda mais surpresa saber que ele trabalhara o projeto do Pós-escrito conclusivo não-científico às Migalhas filosóficas (1846) – aquela que seria sua obra considerada por ele mesmo como ponto de viragem – sob o título provisório de Problemas lógicos. Entre os problemas fundamentais que norteariam o novo livro, Kierkegaard listara em seus rascunhos: “O que é uma categoria? O que significa dizer que ‘ser’ é uma categoria?”, “Como uma nova qualidade aparece através de um incremento quantitativo?”, e, evidentemente, “O que é existência?” (cf. Pap. VI B 13).
Embora não seja possível desenvolver aqui o percurso desses problemas na obra de mais de 600 páginas, tampouco os ecos na totalidade de sua produção, o que indicamos já nos parece ser suficiente para apontar que Kierkegaard não estava à margem do universo de questões que condicionou o panorama filosófico de sua época. De fato, falecido em 1855, Kierkegaard não chegou a ver o Anti-Trendelenburg de Kuno Fischer (1870), nem a Psicologia do ponto de vista empírico, de F. Brentano (1874), a Conceitografia de Frege (1879) ou as Investigações lógicas de E. Husserl (1900-1901), todas, cada uma a seu modo, influenciadas por Trendelenburg. Da obra principal deste, não conheceu senão a primeira edição das Investigações lógicas, publicada em 1840. Contudo, caso tivesse a oportunidade de folhear a terceira edição, de 1870, talvez desse um sorriso irônico ao ler o prefácio do autor explicitando o significado do título programático, oposto àquele intento hegeliano de erigir uma “Ciência da Lógica”; ao invés disso, tratava-se apenas de despretensiosas “Investigações”. Ora, não é exatamente isso que Kierkegaard tinha em mente ao intitular seu “panfleto” de 1844 de Migalhas filosóficas? E a sequência do mesmo projeto, o Pós-Escrito, como declaradamente “não-científico”?
Assim, se é verdade que Kierkegaard é grande por explicitar com lirismo invejável aquelas prementes questões pelo sentido existencial último ou, ainda, tenha reafirmado a radicalidade do cristianismo, cumprindo a missão que se autoimpusera de mostrar que, ao contrário do que se podia pretender, aderir a ele era tarefa das mais difíceis, não é menos verdade que Kierkegaard foi um filósofo rigoroso cuja contribuição no âmbito da filosofia dos séculos 19 e 20 ainda está para ser aferida e a quem as palavras do autor pseudonímico de seus Prefácios poderiam ser usadas a título de epígrafe: “desde a juventude eu amei a filosofia”.
Gabriel Ferreira da Silva é doutorando na Universidade do Vale do Rio dos Sinossta 
Outros artigos  da reavista no site: http://revistacult.uol.com.br/home/category/edicoes/179/