2 A NOÇÃO DE ABSURDO EM ALBERT
CAMUS
“Nunca se muda
de vida”.
CAMUS
Neste capítulo pretende-se fazer
uma exegese do livro o Mito de Sísifo, sobre o qual Albert Camus, explica seu
ponto de vista. E o que ele chama de Absurdo. O livro é em estruturado quatro
capítulos, um autêntico dossiê, sobre o conceito de Absurdo.A perspectiva deste estudo não foi contemplar as
discussões sobre o suicídio, e revolta, conceitos importantes, na economia de
sua obra. Mas usar conhecimentos que o trazem a uma linha filosófica, por exemplo,
traçar uma antropologia de Camus, descrever
o símbolo da humanidade para Camus, mostrar
sua preferência na escrita da Literatura
(O Estrangeiro) como uma estratégia argumentativa de sua filosofia. Mas tomando
o extremo cuidado com alguns temas com suicídio, revolta assassinato e outros
não fossem solapados ou esquecidos, pois em outras obras estes conceitos e
problemáticas, tornam-se para Camus suas temáticas que este estudo não
aprofundou. Outro livro muito lido nesta pesquisa foi O Estrangeiro, a novela de Camus sobre a história de um homem que é
transpassado pelo sentimento de absurdo.
2.1 A NOÇÃO DE ABSURDO
No
capítulo desta monografia, é analisado o conceito
de Absurdo, na profundidade, entendida por Albert Camus. O absurdo,
que é o estado metafísico do homem consciente, não conduz a uma transcendência[1] (CAMUS 2010 p. 49).
Fazendo uma ligação da imagem do homem como um ser para o enfretamento, da
vida.
Camus ao situar o sentimento
do Absurdo, expressa já no começo do ensaio O Mito de Sísifo, de que o Absurdo é um Sentimento Trágico.
Trágico por que o homem sabe de sua situação. Afinal o homem é consciente, da
sua existência e sua Finitude. “Vivemos para o
futuro: "amanhã", "mais tarde", "quando você tiver uma
situação", ‘com o tempo você vai compreender’. Essas inconsequências são
admiráveis porque, afinal, se trata de morrer (CAMUS, 2010 p.27)”.
Camus distingue por tanto, um
duplo absurdo: o sentimento e o do espirito. O sentimento é a discórdia entre o
homem e a vida, o que caracteriza propriamente o sentimento da absurdidade. Já
a definição para o absurdo do espirito, “isto é, uma metafísica e um estado de
espírito” (CAMUS, 2010 p.25). É onde começa a
desproporção entre as inspirações humanas e a realidade. A contradição entre o
desejo e o que pode ser realizado.
Na introdução do ensaio tese O Mito de Sísifo, é citado o nome do
professor de Camus, Jean Granier (1898-1971),
que reconheceu naquele aluno seus dons. Ele diz: “o Absurdo de Camus, é como o
sentimento Trágico” (CAMUS, 2010 p.9).
O trágico tem haver com o tempo.
A finitude e brevidade da vida, somos seres mortais, que podemos calcular o
futuro. Estamos deslocados para o futuro. Quando já recorrendo ao exemplo de
Sísifo, herói da mitologia grega Camus afirma: “Este mito é trágico porque seu
herói é consciente” (CAMUS, 2010 p.123).
A ideia de uma
contradição, profundamente sentida pelo indivíduo e emoldurada pelo tempo, é o
cerne do pessimismo existencial que Camus compartilha com Unamuno. Aquilo que
para Unamuno é o sentimento trágico da vida é para Camus, empregando o termo a
sua maneira, o absurdo.
O pensador espanhol Miguel
Unamuno[2]
(1864-1936), faz uma reflexão próxima sobre este sentimento trágico que em
Camus é chamado de absurdo. Em Seu livro de
1913, O Sentimento Trágico da Vida,
foi rapidamente traduzido para diversos idiomas, fazendo dele uma personalidade
internacional. A questão de Unamuno é: Não
é trágico ser humano, este animal perpetuamente insatisfeito entre a vida e a
morte?
A constatação de
Unamuno é clara, frente à realidade da finitude:
E
chegamos ao fundo do abismo, ao conflito irreconciliável entre razão e o
sentimento vital. E chegamos ali, disse-vos que não há aceitar o conflito com
tal, e viver dele. Agora, resta-me expor-vos como segundo o meu sentimento e
pensamento, esse desespero pode ser à base de uma vida vigorosa, de uma ação
eficaz, de uma ética, de uma religião e, até, de uma lógica. Mas, no que se vai
seguir, haverá, tanto de fantasia como de raciocínio, isto é, muito mais (UNAMUNO,
1988 p.104).
A individualidade
humana que torna a temporalidade possível, o que é, para Unamuno, assombrada
desde o início por este trágico conflito entre o desejo da imortalidade e a
realidade da morte. A provocação filosófica que Unamuno aponta para insolúvel
questão humana é familiar a Camus, por que ele diz que se deve estar pleno
desta trágica situação. “Todos os dias nos precipita um pouco
mais para a morte” (CAMUS, 2010 p.23).
Camus não que
imaginar um estado, ideal onde o ser humano estava numa possível condição de
perfeição, o que inquieta é o instante preciso, o sutil em que o
espírito se se decidiu pela morte, pois o homem é “destituído das lembranças de
uma pátria distante ou da esperança de uma terra prometida” (CAMUS, 2010 p.21).
De maneira análoga
o que aproxima a postura filosófica de Camus para Unamuno, é seu ponto de
partida, pois para os dois pensadores, toda projeção para o futuro ideal do homem absurdo, de que o presente e a sucessão
dos presentes diante de uma alma de incessante consciência: Finita. “eu extraio
do absurdo, três consequências que são minha revolta, minha liberdade e minha
paixão. Apenas com o jogo da consciência transformo em regra de vida o que era
convite à morte — e recuso o suicídio” (CAMUS, 2010 p.68).
Unamuno tem uma postura, que
coloca o homem, diante do desafio de viver sabendo das dificuldades inerentes a
vida:
Por a uma
doutrina a etiqueta do pessimismo não é condenar a sua validade, nem os
chamados otimistas são mais eficazes na ação Creio, pelo contrario que muito
dos maiores heróis, talvez os maiores, foram desesperados, e que foi pelo
desespero que eles realizaram as suas façanhas (UNAMUNO, 1988 p.109).
A final não há escape ao homem no
mundo, suas convicções, crenças, aspirações, frustações e entre há razão e o
sentimento, o homem deve-se colocar diante da vida como a possibilidade e escolher dentre várias maneiras de
existência, uma que suas convicções a ações, o realizem.
O que constituiu
o centro do pensamento existencialista é uma parte legitima e considerável da experiência
humana. O sentimento trágico da vida, de que dala Miguel de Unamuno, é uma
emoção que atrevessa os tempos e as classes socias (MACIEL, 1986, p31).
Albert Camus experimenta uma dolorosa sensação da absurdez na vida
e na história. Encerrado em si mesmo, não vê, de início, senão dois caminhos
para que se liberte: o suicídio e a revolta, e tão somente esta última, que
implica o reconhecimento, de certo valor,
afigura-se o homem capaz de dar sentido à vida. “Assim, uma das únicas posições
filosóficas coerentes é a revolta. Ela é um confronto permanente do homem com
sua própria obscuridade” (CAMUS, 2010 p. 58). O homem se
engrandece tomando consciência do Absurdo e da realidade da morte.
Substitui, porém, as ilusões da liberdade, que se detinham todas com a
morte. A divina disponibilidade do condenado à morte diante de quem se abre as
portas da prisão em meio a certo — e tênue — alvorecer, esse inacreditável
desinteresse em relação a tudo, salvo para com a pura chama da vida, a morte e
o absurdo são então — percebe-se claramente — os princípios da única liberdade
razoável: a que um coração humano pode experimentar e viver. (CAMUS 2010 p.64).
Inevitavelmente é que o ser humano barra na morte. Eis a injustiça
lançada ao homem; mas por quem? Por algum Deus? Por quê? Viveremos sem nunca
ter explicação formal de tal assunto, Camus entende que esta é como; uma
centelha irrefutável do Absurdo, de nossa condição afinal, tem a alegria de
alguns dias, mas há terrificante certeza da realidade da morte, como encerramento
de toda possibilidade.
2.2 UMA ANTROPOLOGIA DO ABSURDO
O homem inventou as máquinas,
a linha de produção em série, separou Estada e Igreja, organizou a economia,
construiu fábricas, desenvolveu a agricultura, fez descobertas avançadas no
campo da física, da química, da biologia, descobriu curas para doenças, antes
incuráveis, aumentou expectativa de vida. No entanto, a cada passo para frente
nestas conquistas cientificas sociais, econômicas e religiosas, o homem
regressa três a quatro passos para trás no tocante ao fator antropológico mais
importante para ele mesmo: o conhecimento de si mesmo.
Neste capítulo, do estudo
monográfico de conclusão de curso irá discorrer sobre o conceito de homem, na
contemporaneidade este herdado do existencialismo. Por um lado, eles frisam que
o homem é aquilo que ele mesmo pode e quer tornar-se, e por isso é um problema
para si mesmo, e solução para seu próprio dilema, de projetar constantemente
seu problema, que denuncia continuamente seu modo de ser ou de viver e este
projeto passa a configurar, em algum grau ou medida, seu modo de ser ou de
viver efetivo. As correntes contemporâneas reconhecem as limitações dessa
possibilidade de projetar, que agem
especialmente no fato de que, em certa medida, cada projeto é singular inefável, válido para um corpo
(ABBAGNANO, 2007 p. 599).
O que Camus propõe á falar
sobre vivências, modos de vida:
A questão, agora, não é dissertar sobre
a moral. Vi pessoas agirem mal com muita moral e todos os dias verifico que a
honestidade não precisa de regras. Só existe uma moral que o homem absurdo pode
admitir: a que não se separa de Deus e que se dita. Mas ele vive precisamente
fora desse Deus. Quanto às outras morais (entendo também o imoralismo), o homem
absurdo só vê nelas justificativas e não há nada a justificar. Parto aqui do
princípio de sua inocência (2010, p.73).
O homem do século XX
acabou confundido conhecimento sobre vida com conhecimento da à vida, isto é, o
conhecimento da vida mesma num sentido filosófico e o conhecimento prático da
vida que se adquire ao longo dos anos. Assim, achou que saber o que é a vida é
saber como agir nela, o que, evidentemente, do ponto de vista filosófico, em
hipótese alguma procede. O homem conquistou, ou mais ainda, dominou boa parte
da natureza e do mundo em geral, mas acabou adoecendo como homem mesmo,
esvaziando-se de sua essência. Vai se tornando cada vez mais gritante à medida
que se afasta ainda mais de si mesmo. Torna-se paradoxal e aguda questão, pois
a humanidade nunca definiu, afinal qual é a essência do homem?
Se o homem conquistou a
natureza, avançou na ciência, acabou perdendo-se na instrumentalização de sua
razão, empresa que sempre motivou o homem há séculos, para continuar vivendo.
Justamente o tema do sentido da vida, isto é, se ela tem ou não alguma razão e
por isso, mesmo se deve ou não ser vivida; e a obra que Camus procura
argumentar sobre o tema é no livro ensaio Mito
de Sísifo.
Na obra, o autor procura
argumentar acerca de três grandes questões, vale dizer, o absurdo propriamente
dito, o suicido pelo fato de se ter ou não um sentido para continuar vivendo e,
por fim a esperança isto é “a esquiva Mortal”.
Antes de tudo, deve-se
dizer que o absurdo não é tomado a partir de uma dimensão racional, mas ao
contrário, a partir de uma dimensão existencial, o que significa dizer que está
numa esfera de sentimentos e não de razão. Isto não significa, todavia, que
seja a este sentimento com devaneios metafísicos, enfim, “em si mesmo, na sua
nudez desoladora, na sua luz sem resplandecer é inapreensível” (CAMUS, 2010
p.24).
Chegar-se a ele por vias
de caracterização, observações da atitude cotidiana do homem, mas, sobretudo,
através de uma incursão que o homem faz dentro de diante de si mesmo e acaba
por perceber um horrível vácuo, angústia de sua existência.
Embora estando na esfera
do sentimento, só o homem é que a partir de uma de consciência sobre algo, isto
é, sobre a vida, sobre o mundo, sobre si mesmo. Em o Mito de Sísifo,
Camus fornece uma série, de exemplos dos quais podem ocorrer de consciência do
sentimento absurdo. Dentre estes exemplos, Camus cita a rotina e inalterável do
dia-a-dia, a atividade maquinal executada pelo homem, a dar-se conta de anos de
história, a não justificação de seus atos.
O homem pode passar a vida
toda nesta dinâmica, nesta mecanização, sem perceber, contudo, que não vive, no
entanto, achando que saber perfeitamente o que é a vida. O sentimento do
absurdo surge, segundo Camus, precisamente na tomada de consciência de tal
vida. A partir desta conscientização, o homem será convidado constantemente a
sofrer de terríveis crises de Náuseas consigo mesmo. Nas palavras de Camus: “em
certas horas de lucidez torna estúpida tudo o que os rodeia (...)”. Esse
mal-estar ante a inumanidade do próprio homem, essa queda incalculável ante a
imagem daquilo que somos essa náusea, (...) é também o absurdo. (Camus, 2010
p.27)
No momento em que o homem
toma consciência desta vida, esta última aparece a ele em toda sua plenitude,
isto é, sem sentido, absurda. O homem torna-se estrangeiro ao mundo, à vida e,
sobretudo, a si mesmo. A partir de então, “o fosso entre a certeza que tenho da
minha existência e o conteúdo que tenho que dar a essa certeza, nunca estará
cheio. Serei para sempre estranho a mim mesmo” (CAMUS, 2010 p.28).
O homem passará a querer
achar respostas para a absurdidade de sua existência que tanto o perturba
conteúdo que o homem deverá dar à certeza de sua clareza de sua existência
nunca estará cheio, um profundo desejo de busca pela completude o invadirá, uma
ânsia de respostas à sua falta de sentido para viver o tomará em assalto.
Para o homem perdido
no mundo e seus divertimentos, essa inquietação é um medo breve e fugidio. Mas,
quando esse medo toma consciência dele mesmo, se transforma em angústia, o
clima permanente do homem lúcido “em que a existência se redescobre” (CAMUS,
2010 p. 33).
Estas respostas o homem
buscará, sobretudo na ciência, no mundo, no entanto, este último aparecerá a
ele com um fúnebre silêncio. O homem, então, percebe também a irracionalidade
do mundo, pois o importante é que se percebe inserido neste mundo irracional e
que embate-se constantemente com ele numa profunda ânsia por clareza.
Na obstinada busca por
respostas e desejo de clareza, o mundo já não é mais explica coisa alguma, no
máximo, descreve como as coisas são, conduto, sempre no nível da hipótese, isto
é jamais com certeza: “E dão-me a escolher entre uma descrição que é certa, mas
que nada diz, e as hipóteses que pretendem ensinar-me, mas que não são certas” (Camus,
2010 p.33).
Jamais o homem conseguirá
saciar o conteúdo de que precisa para ter certeza de sua existência: “tudo o
que se pode dizer é que precisa para ter certeza de sua existência”, Tudo o que
se pode dizer é que esse mundo não é razoável em si mesmo. Mas o que é absurdo
é o confronto desse irracionalismo e desse desejo desvairado de clareza, cujo
apelo ressoa no mais profundo do homem. “O absurdo depende tanto do homem como
do mundo” (CAMUS, 2010, p.34).
A constatação cabal para
que o homem então começa a enfrentar a vida de forma plena, ou pelo menos com
toda sua honestidade. É definida:
Quanto
a isso, o problema está invertido. Trata-se, anteriormente, de saber se a vida
devia ter um sentido para ser vivida. Aqui fica parecendo, ao contrário, que
ela será vivida melhor ainda se não tiver sentido. Viver uma experiência, um
destino é aceitá-la plenamente. Ora, não se viverá esse destino, sabendo-o
absurdo, se não se faz tudo para manter diante de si esse absurdo aclarado pela
consciência (CAMUS, 2010 p.59).
O homem absurdo
não tem nenhuma norma ética-formal; mas são sugeridas inspirações de modelos
vivos nas suas posturas e fervor. O Amante ao estilo de Don Juan, O comediante
e o aventureiro, eles encarnam o estilo de vida absurda. Mas só Sísifo é o real
personagem do Absurdo, o que melhor interpreta esta vivência.
A questão agora
é: o que caracteriza o homem absurdo? Camus responde:
Aquele
que, sem o negar, nada faz pelo eterno. Não que a nostalgia lhe seja estranha.
Mas preferem-lhe a sua coragem e o seu raciocínio. A primeira ensina-o a viver,
sem apelo e bastar-se com aquilo que tem, o segundo intui-o acerca de seus
limites. Certo da sua liberdade a prazo, da sua revolta sem futuro e da sua
consciência moral, prossegue a sua aventura no tempo da sua vida. Ai se
encontra o seu campo, ai sua ação, que ele subtrai a qualquer juízo, exceto o
seu. Uma vida maior não pode significar para ele outra vida. Seria desonesto.
Nem mesmo falo aqui dessa eternidade irrisória a que se chama posteridade (1988,p:
60).
A relação do
tempo com o Homem Absurdo, é que revela ao homem mais claramente seus limites e
dá coragem para enfrentá-los. Ao raciocinar o homem absurdo, Camus não busca
regras morais, pois estas são puramente formais, o que interessa ao filósofo em
questão são as ações que brotam de sua vivência empírica, isto é a lucidez.
Camus analisa no Mito de Sísifo
quatros tipos humano que se apresentam como: Don Juan, O Ator, O Conquistador e
o Criador.
O Don Juan é o homem absurdo, no sentido que ele nunca encontra
sua realização. Sua maior realização está na quantidade de amores a serem
vividos. As pessoas normalmente acreditam que o amor dá saída para a vida. Há
pessoas que se afastam do mundo para viver um amor egoísta, pois, possibilidade
de nos afastarmos do mundo, sempre faz nascer à indiferença.
Há pessoas que se afastam do mundo para viver o seu amor. Tudo é
devorado pelo sentimento que consome, portanto, o amor que afasta do mundo,
pois tira o gosto de viver. O amor de Don Juan é, ao contrário, libertador,
porque ele não se dedica só a um amor, mas a todos e com isto não se afasta do
mundo.
O Don Juan, o homem que para Camus esta plenamente gozando de seu
corpo. Vive suas experiências, numa lógica, muito parecida há ética
utilitarista, vive pela quantidade de prazer que pode adquirir na vida. “O que
Don Juan põe em prática é um ética da quantidade (...). O tempo caminha com
ele” (CAMUS, 2010 p.79).
Não é de modo algum por falta de
amor que Don Juan vai de mulher em mulher. É ridículo representá-lo como um
iluminado em busca do amor total. Mas é até porque ele as ama com igual
arrebatamento e a cada vez com toda inteireza, que lhe é preciso repetir esse
dom e esse aprofundamento (CAMUS, 2010 p. 75).
Não tem em mente o juízo do certo e errado, vive tudo ante de
morrer. Repete suas formulas, pois pensa para si, afinal se deu certo um vez,
não haveria porque não repetir. Don Juan é a postura humana da descrença em
qualquer transcendência, mas trás em si um apelo para novas vivências,
múltiplas intensidades. O que Don Juan quer é ir contra esta ideia “todos os
especialistas da paixão nos ensinam isso: só existe amor eterno contrariado”
(CAMUS, 2010 p.78).
Mas o que o
que exprime Don Juan é justamente sua repetição, sua busca. “É um, outro amor
que sacode Don Juan e esse é libertador. Trás consigo todos os rostos do mundo
e seu frêmito provém de que ele se sabe perecível” (CAMUS, 2010 p. 78).
A aceitação
deste perecível é o sentimento de ser pleno corpo finito, á postura típica de
Camus, a aceitação da vida como ela é, nas suas rugosidades, plasticidades, na
construção da civilização, vista não com um progresso, mas como sendo indelével
humano. Viver sem muito reclamar. Ele atinge uma ciência sem ilusões que nega
tudo o que eles professam. Amar e possuir, conquistar e esgotar: eis aí a sua
maneira de conhecer (CAMUS, 2010, p. 79).
O segundo tipo
humano escolhido para exemplificar a ética absurda é o Ator. O homem comum
transfere para a cena da sua própria experiência observada. Como no teatro
encontramos diferentes destinos, que são interpretados, encontramos no Ator a
obstinação de tudo querer viver e atingir, uma experiência sem futuro.
O ator reina
no perecível. É sabido que de todas as glórias a sua é a mais efêmera. Isso
pelo menos é dito nas conversas. Mas todas as glórias são efêmeras. Do ponto de
vista de Sírius, as obras de Goethe dentro de dez mil anos serão pó, e seu nome
será esquecido. Alguns arqueólogos, quem sabe, procurarão “testemunhos” do
nosso tempo (CAMUS, 2010 p.82) [3].
O homem comum
encontra-se grande parte de sua vida submetida a regras sociais, o Ator é o
homem que rompe com estas regras e deixa viver o corpo e as paixões, pois
sempre o homem absurdo é consciente das limitações da razão e da necessidade de
se ouvir o corpo e o coração: é neste espaço que corpo e espírito se juntam.
Porque esta é a sua arte, a de fingir totalmente, de entrar o mais fundo
possível em vidas que não são as suas (...) não ser nada ou em ser muitos.
Quanto mais estreito é o limite que lhe é dado para criar seu personagem, tanto
mais necessário lhe é o talento. (...) Isso se chama perder-se para se reencontrar
(CAMUS, 2010 p.83)[4].
Entretanto, o
Ator é, por excelência, um homem absurdo e sabe que abandonar a sua arte seria
uma forma de suicídio, pois não poderia desistir dos personagens que pudesse
representar o que é equivalente a morrer. Como nada é eterno, também para o
Ator chega o fim, espera o fim, não o deseja.
Na demostração
que Camus faz deste tipo humano, a um grande apelo ao corpo[5], E aí que o
ator se contradiz: o mesmo e, no entanto, tão diverso, tantas almas resumidas
por um só corpo. (CAMUS, 2010 p.85).
O terceiro
personagem é o Conquistador. É o homem consciente de seu tempo, percebe e
compreende o momento histórico e com ele se identifica suportando toda a sua
tragédia. Este homem vive o drama e a angústia da história, tendo lucidez de
que não há causas vitoriosas e, por isso, prefere lutar contra as causas
perdidas, sendo o homem que tudo arrisca.
As igrejas,
ideologias, poder político, é sempre contra o conquistador, porque todos eles
aspiram ao eterno, além de serem intransigentes e exigirem de seus adeptos
concordância total com as suas ideais.
O homem absurdo
nega as ideologias, sabe que em nome das bem-aventuranças dos céus ou das
promessas de uma sociedade justa no futuro, matam e sacrificam o homem. As
doutrinas enfraquecem o homem e tira o peso da responsabilidade da sua
existência, algo que o homem absurdo sabe carregar sozinho. Camus considera
Prometeu, na sua revolta eterna, o primeiro dos conquistadores. Em sua ação
existe a proclamação da primazia do homem sobre as coisas que o cercam. Ele
gira em torno de si próprio, e diz que irá se superar: eis sua grandeza.
O quarto
personagem ganha papel de destaque, este é o herói do absurdo O Criador, pois
criar é romper a tensão que separa o homem do mundo, o artista ao criar, vive
duas vezes, sendo a grande ambição de o pensamento descrever. Enquanto a
ciência é quantitativa. A obra de arte, ao descrever, transmite a sensação que
bate nos corações humanos. A criação aparece como sendo a mais eficaz das
escolas da paciência e lucidez, ela também é o testemunho da revolta do homem
contra sua condição.
Camus fala com
quarto homem o conquistador:
Os
conquistadores sabem que a ação, em si, é inútil. Só existe uma ação útil: a
que restaura o homem e a terra. Eu não vou nunca restaurar os homens. Mas é
preciso fazer “como se”. Pois o caminho da luta me leva a redescobrir a carne.
Mesmo humilhada, a carne é a minha única certeza. Só posso viver dela. A
criatura é a minha
pátria
(CAMUS 2010 p.89).
Nesta análise dos
quatro personagens, podemos claramente perceber que são exemplos, ideias, e não
padrões de costumes a serem seguidos. Para que, o homem seja um homem absurdo,
é necessária a lucidez entretanto, o viver sem esperança não é se desesperar da
vida. Pois viver lucidamente é ser consequente.
As virtudes do homem absurdo são a coragem e a honestidade. Ao falarmos em virtudes, não estamos nos referindo às
regras morais criadas pelo social. “Não se trata de aqui de dissertar sobre a
moral. Já vi muitas pessoas agirem mal com muita moral e todos os dias constato
que a honestidade não precisa de regras” (CAMUS, 2012 p. 86).
2.1.2 o Simbolo do humano descrito por Albert Camus
Neste momento do estudo monográfico, pretende-se esclarecer, sobre
Sísifo e sua lenda do mundo grego e sua referência que Camus. Trecho transcrito
da Odisseia de Homero. Narra já os castigos sofridos por Sísifo, este herói
mortal.
Há! Vi também Sísifo suportando cruéis
tormentos; fazia por guindar com ambos os braços um rochedo imenso; forcejando
com as mãos e os pés, empurrava-o até o cimo dum outeiro, mas na iminência de
transpor o topo, uma força o desviava e o impudente rochedo rolava de novo até
a planície. Ele, porém, o impelia outra vez, entesado com o corpo escorrendo em
suor e uma nuvem de pó subindo da cabeça (Homero, 1986 p 139).
Usando a metáfora de Sísifo, o homem se percebe acorrentado;
preso a si mesmo, ou melhor, sendo incapaz de ir de frente com sua inescapável
condição – Apenas sentida – O sentimento do Absurdo, nascido do divórcio entre
o homem a vida, entre o ator e seu cenário. Camus como filósofo astuto, intui
uma visão que cobre toda a pós-modernidade - A plasticidade que o homem
constrói relações com a vida e ou outros homens.
Sempre se refletiu sobre a esperança e a desesperança no contexto
desta parte do Mito de Sísifo, sobretudo Camus no ensaio O Mito de Sísifo. Um ensaio sobre o Absurdo que conhece o castigo
dos deuses -Rolar a pedra- e sabe que não terá êxito. Ele não espera nenhuma
graça, nenhum Deus; não tem esperança - sem esperança e sem ilusão - e mesmo
assim ele empurra a pedra. Desse modo, porém, ele toma o destino em suas mãos e
não se deixa vencer pelos deuses. Sem esperança e sem ilusão sempre significa
também sem futuro. “Sísifo viveria inteiramente - no aqui e agora - sem esperar
por recompensas, clamar apelos, ou alguma graça, como uma ‘alegria discreta’,
de modo que o seu destino lhe pertence: ‘ a pedra dele é o seu problema’”.
Sigamos primeiramente Camus em sua argumentação. Atrás dos maiores
esforços não está oculto nenhum sentido recompensador, nenhum futuro a ser
alcançado. É Tudo ilusão. Mas, embora tudo seja ilusão, Sísifo não foge - o
livro de Camus aborda em partes essenciais a questão: diante do absurdo deveríamos
ou não cometer o suicídio? Fugir seria suicídio; Sísifo não foge, ele carrega
sua pedra.
É nisso reside a sua a sua dignidade: ele não desiste, não foge,
continuando ele mesmo responsável pelo seu próprio problema. Não responsabiliza
nenhum Deus por isto – sobretudo pela parte que depende deles – só a si mesmo.
Camus expressa uma ideia de uma esperança paradoxal e profundamente humana:
Enfim, o essencial dessa
contradição se acha no que denominarei a escapada* por ser, ao mesmo tempo, um
tanto menos e mais que o entretenimento no sentido pascaliano. A escapada
mortal que constitui o terceiro tema deste ensaio é a esperança. A esperança de
outra vida que é preciso “merecer” ou a trapaça dos que vivem não para a
própria vida, mas para alguma grande idéia que a ultrapassa ou a sublima, lhe
dá um sentido e a atraiçoa (CAMUS, 2010. p23).
Esta postura opõe-se à postura da fuga, de uma fuga na ilusão, na
morte. Naturalmente, o homem é também um “ser fujão”, como se podem ver muitos
mitos e contos de fadas, nos quais deuses e deusas, heróis e heroínas aparecem
fugindo. O mito de Sísifo, porem não
é um mito de um homem fugindo, é um mito de um homem que resiste, dando tudo de
si.
Mas, outro lado, Sísifo conhece também as suas horas de ócio
quando abandona s si próprio e se lança , correndo, montanha abaixo - curto
momento em que se encontra. Na imagem deste breve instante, está à dignidade do
sim a vida trágica, a vida consciente, a vida Absurda.
2.4 O Mito: uma
estratégia literária
Ernest Cassirer
(1874-1945) em seu livro O ensaio sobre o Homem, no capítulo sobre o Mito e a
Religião, afirma que na cultura humana o mito e a religião são os mais
contraditórios para uma interpretação meramente lógica. O mito tem uma conexão
cotidiana de ideias e imagens, mas aparentes. A característica essencial do
mito e sua narrativa é não ter: “nem pé, nem cabeça” (CASSIRE, 1994 p.121).
O mito apoia-se sobre uma força positiva de figuração e da
imaginação, mais do que sobre uma espécie de deficiência do espirito, sendo,
assim, uma forma que cria significado. Cassirer considera o mito como: “uma não
perfeita distinção entre o Símbolo e o Objeto do símbolo” (CASSIRER, 1994
p.12).
Seguindo na lógica de Cassirer que aponta a maneira de como Camus se apropria do mito. “É claro
que todas as tentativas de intelectualizar o mito explicá-lo como expressão
alegórica de uma verdade teórica ou moral... O verdadeiro substrato do mito não
é um substrato de pensamento, mas de sentimento” (CASSIRE, 1994 p.135).
O pensamento de Georges Gusdorf (1912-200), sobretudo
expresso na obra Mito e Metafisica:
Introdução à Metafisica, escrito de 1953, explora uma concepção simbólica,
que derivada do existencialismo de Karl Jaspers (1883-1969) considera o mito como pré-história da filosofia. Primeiro
conhecimento que o homem adquire sobre ele próprio e sobre o meio; o mito é a
estrutura desse conhecimento.
A inteligibilidade da mítica reveste-se do
caráter cósmico de uma visão da totalidade do mundo, quer este mundo seja o
presente, seja o futuro, individual ou social. Por isso, a consciência mítica
não poderia ser donde nada como uma ordem do irracionalismo ou arbitrário, como
uma fonte de representação fraudulenta que abusa da nossa confiança. Se
validação discursiva está faltando, nem por isso quer isto significar que o
mito não comporta critério. A própria força da sua influência sobre o homem
atesta que ele traz implícita consigo a sua prova. A verdade do mito atesta-se
pela impressão global do compromisso que ele produz em nós. Não justificamos o
mito, mas, ao invés disso, ele é que nos justifica. Ele esclarece uma situação
na qual bruscamente temos consciência de nos encontrarmos numa ambiência
familiar. A verdade do mito reintegra-nos na totalidade, em virtude de uma
função de reconhecimento ontológico (Gusdorf, 1980 p. 272).
Para Gusdorf é a consciência mítica que permite a localização da
razão, que insere a razão na sua totalidade – porque, abandonada a si própria,
permaneceria como suspensa no abstrato, sem integração no mundo real.
Vários autores de diferentes escolas contemporâneas como
estruturalismo, existencialismo, simbolismo, funcionalismo, semiótica,
gerativismo, análise computacional. Tem suas abordagens e suas aproximações
temáticas com o Mito.
Os progressos são evidentes e o conceito de Mito alargou-se, desenvolveu-se, atualizou. Mito não é apenas a
história dos deuses e herói da Grécia e Roma antiga; o mito reinventado ou,
simplesmente, recordado, faz parte de nosso cotidiano como realidade ou apenas,
como referente. O Mito então é uma forma
de o homem, à maneira socrática, conhecer a si próprio. Camus define há utilização dos mitos para que o homem compreenda-se:
A inclinação de seu
pensamento não é mais a de renunciar, mas a de explodir em imagens. Ele se
representa em mitos, não há dúvida, mas mitos sem outra profundidade que a da
dor humana e, como esta, inesgotável. Não a fábula divina que diverte e cega,
mas o rosto, o gesto e o drama terrenos em que se resumem uma difícil sabedoria
e uma paixão sem amanhã (CAMUS, 2012 p.116).
No livro A Inteligência e o Cadafalso, publicado no Brasil em
1998, livro que reúne resenhas, criticas e prefácios escritos por Camus. Há um
pequeno estudo sobre a obra de Hermann Melville e seu mito:
A história do capitão Ahab, por exemplo, que
se lança do mar austral ao polo norte no encalço de Moby Dick, a balei branca
que lhe cortou a perna, pode sem dúvida ser lida como a paixão funesta de uma
personagem enlouquecida pela dor e pela solidão. Mas também podemos pensar com
um dos mitos mais perturbadores que já se imaginou sobre o combate do homem
contra o mal (CAMUS, 1998.p.28).
Neste caso ele esta pensado num obra, pontual, mas em outro
momento Camus diz sobre os escritores talentosos, no fundo são criadores e
recriadores de vida, ao passo que o gênio é, além disto, coroa com mitos, e sem
sobram de duvidas Melville é criador de Mitos (CAMUS, 1998. p.29).
O mito, enfim, é este
estranho relato que, nascido, da necessidade humana de organizar a desordem da
experiência, apresenta uma situação interior ao homem que o lê o que escuta que
é uma resposta para um dilema, é como a sabedoria dos oráculos, é a resposta
não sem sentido, que contém um fundo de sabedoria.
2.5 A FICÇÃO DE ALBERT CAMUS: O ESTRANGEIRO
Caminhando para um fechamento da ideia
norteadora de que é o sentimento absurdo, para uma vida com sentido. Nota-se
claramente de que no conjunto da obra de Camus ela não se fecha em uma só. E o
romance O Estrangeiro é a acabada
expressão literária do Absurdo.
No entanto, sem justificativa, como ele
próprio o diz, afirma de uma só vez e ao mesmo tempo o transcendente, o ser da
experiência e o sentido supra-humano da vida, ao escrever: “O fracasso, além de
toda explicação e de toda interpretação possível, não nos mostra o nada, mas o
ser da transcendência”. Esse ser que de repente, e por um ato cego da confiança
humana, explica tudo, e o define como “a unidade inconcebível entre o geral e o
particular”. Assim o absurdo se torna deus (no mais amplo sentido da palavra) e
essa impotência de compreender o ser que ilumina tudo (CAMUS, 2010 p. 43).
Para deixar de modo inequívoco o
conceito de literarura dramática, endende-se, neste estudo monográfico, como um
domínio de uma arte de texto, nas quas palavras que constituem as personagens e
seu ambiente. Já são os próprios personagens. “Eles absorvem as palavras” do
texto passa a constitui-las, tornando-se a fonte delas. Assim como ocorre na
realidade (CÂNDIDO, 1970 p.29).
Portanto Camus cria no ensaio O Mito de Sísifo o pano de fundo para
suas peças, um cenário para seus romances, uma atmosfera para suas novelas.
Este trabalho fará um recorte bibliográfico do livro O Estrangeiro e publicado no ano de 1942, por nítidas aproximações
do ensaio filosófico de Sísifo publicado no mesmo ano.
A composição literária
estabelecida atua como uma espécie de destino, que determina e sobrevoa na sua
totalidade, a vida de um ser, os traçoas adquados asseguram o traçado
convincente da personagem, enquanto os nexos frouxos a compremetem,
reduzindo-uma atmosfera. A estrutura do romace situando adequadamente cada
traço adquire um sentido em função do outro, de tal modo a impressão no leitor,
o sentimento de realidade, depende deste espção, da unificação das imagnes em
sequencias. Criando o grande contexto da obra. (CÂNDIDO, 1970 p.80).
Pensar é,
antes de tudo, querer criar um mundo (ou limitar o seu, o que vem a dar no
mesmo). É partir do desacordo fundamental que separa o homem de sua experiência
para encontrar um terreno de interpretação conforme sua nostalgia, um universo
espartilhado de razões ou aclarado de analogias que permite resolver o divórcio
insuportável. O filósofo, mesmo se for Kant, é criador: Tem os seus
personagens, seus símbolos e sua ação secreta. Como tem seus desenlaces.
Inversamente, o passo adotado pelo romance em relação à poesia e ao ensaio
representa apenas, e apesar das aparências, uma intelectualização maior da
arte. Entendamos bem, trata-se, sobretudo, dos maiores. A fecundidade e a
grandeza de um gênero se medem, frequentemente, com o descrédito em que se
encontra. A quantidade de maus romances não deve fazer esquecer a grandeza dos
melhores. São exatamente estes que trazem com eles seu universo. O romance tem
sua lógica, seus raciocínios, sua intuição, seus postulados. Também tem suas
exigências de clareza (CAMUS, 2010 p.102).
Camus nos conduz o leitor, com
admirável sensibilidade, a viver e identificar-se na expressão absurda. No seu
romance O estrangeiro[6],
que neste estudo irá recortar apenas imagens, do personagen Mersault para
mergulhar no absurdo existencial singular de uma vida, o Absurdo nunca se
exaure na vida pessoal de cada homem e ficional.
Essa relação é má quando a obra
pretende dar toda a experiência no papel filigranado de uma literatura de
explicação. Essa relação é boa quando a obra só é um fragmento recortado na
experiência, uma faceta do diamante em que o clarão interior se resume sem se
limitar (CAMUS 2010 p.98).
Afinal observemos o absurdo
institucional, na forma do júri, que condena Mersault. Mas em outros escritos
que, em que aqui não seria o caso, Camus afirma como no seu livro tese O Homem
Revoltado[7],
de que a máquina judiciária assume o papel realizador e garantidor da vida
absurda na sociedade.
Nesse romance o personagem
central é Mersault, que narra sua vida e revela uma absoluta insensibilidade e
total indiferença para com seu destino. Mas que é Mersault? Exteriormente,
apenas um modesto funcionário que vive na Argélia.
Sua história, narrada apenas no
enredo, não passaria de um romance de folhetim. Entretanto em suas páginas
impera uma verdade dupla, em dois aspectos diferentes: o do momento e o da
eternidade, o da miséria e do Sol, o da história e da tragédia, representando
um grandioso desafio à divindade, sem gritos de revolta, sem ameaças, sem
blasfêmias, ressoando apena como eco.
Mersault pensa, fala e age, como
se de fato estivesse alheio a si mesmo. Algumas palavras nos darão o tom desse
entorpecimento, por exemplo, na situação em que Mersault recebe a noticia que
sua morreu. Alheio ao cinema, um dia depois do enterro, com Maria ex-colega de
serviço, que se torna sua amante. Mas até na amizade e amor que Maria lhe
oferece ele permanece escuso, indiferente, alheio a tudo e a todos, estes são
os únicos sentimentos que o abraçam.
Na sequência desta experiência de
vida absurda, seu amigo Raymond, um pequeno canalha, tem um questão com um
árabe, por ter espancado a sua irmã; Maria. Numa praia em que frequentam, após
uma agressão da parte dos árabes, Raymond o abandona, tendo-lhe antes, entregue
um revólver.
Mersault aproxima-se sem nenhuma
má intenção do árabe que ameaçadoramente ainda o espreita. “Para min era um
caso encerado, e viera para cá sem pensar nisto” (CAMUS, 1999 p.62). Mersault
leva até o fim sua ação sem medida, sem consequência. E mata o tal árabe.
Na segunda parte do romance,
Mersault é levado a júri. Está rodeado de pessoas, seu irmão, mas de que
maneira. Pessoas que fazem de conta que Deus existe. Todos são seus juízes. E
como não sabe, ou não quer dizer nada em sua defesa, encontra-se absorto, tudo lhe
é diferente, seu caso é rapidamente examinado. Juntam-se os indícios, que são
transformados em prova do seu crime e de sua natureza monstruosa.
O enterro de sua mãe em que
sequer derramou alguma lagrima, “Imagine só ainda, fumou um cigarro diante do ataúde”.
”seu caso de amor, já no dia seguinte”, “tudo isso senhores jurados, estamos
diante de um monstro”, “O monstro deve ser eliminado”. Mersault levanta-se para
dizer suas últimas palavras: “Eu não tive intenção, a culpa foi do Sol” (CAMUS,
1999 p.98).
Na prisão, em que aguardava a
execução, recebe a visita de um capelão. Mas rejeita a consolação, do
sacerdote, que o interroga deus existe? Mersault diz que esta pergunta não faz
sentido, pois aceitava uma verdade o Mundo existe, minha vida e a morte que
aproxima.
É o definitivo despertamento de
Mersault para o Absurdo da vida e para a felicidade que ela contém, justamente
por ser absurda – paradoxal – como é experiência de Mersault que no fim diz:
“Reencontrei a calma... como se esta grande cólera tivesse me purificado do
mal, esvaziado de esperança, diante desta noite carregada de sinais e de
estrelas, eu me abria pela primeira vez à terna indiferença do mundo” (CAMUS,
1999.p.122).
O tema do Absurdo do encontra-se
em todos os seus livros, não como um devaneio literário, mas como força
componente da própria natureza humana. O Estrangeiro
é o livro com o qual Camus com muita habilidade estética desenvolve a
problemática do absurdo para o homem contemporâneo.
A Peste[8],
romance que traduz o que seria a vivência coletiva do Absurdo, a temática desta
obra: é a mal, solidariedade e revolta. Nesta obra a palavra Peste toma o
significado do conceito de absurdo.
[1] Muito usado por filósofos, este conceito, num dos seus
significados, para exprimir estado ou condição do princípio divino,
do ser além da tudo, de toda experiência humana (enquanto experiência de coisas)
ou do próprio ser (ABBAGNANO, 2007,p1157).
[2]
Miguel de Unamuno y Jugo, 29 de setembro de 1864 na cidade de Bilbao Espanha.
Morre 31 de dezembro de 1936, na cidade de Salamanca, Espanha. Foi um ensaísta,
romancista, poeta e filósofo e explorou a tensão vigorosa e angustiante entre
fé e razão. Unamuno é considerado um percursor do existencialismo, uma crise
religiosa a ocorrida entre 1896 e 1897 fez que percebesse que não conseguia
encontar uma explicação racional para Deus e o significado da vida. Miguel de
Unamuno, reitor de Salamanca, um dos maiores pensadores
espanhóis do século XX, apesar do apoio que deu ao golpe dos militares
franquistas em 1936, opôs-se com muita coragem a um chefe militar que bradava
"Viva a Morte! Abaixo a inteligência!" (PATRICK, 2009, p237).
[3]Nesta demostração sobre o presente e futuro, é que nesta relação torna-se absurda qualquer
postura. No terceito Capitúlo Nagel Argumenta contra esta Ideia, afinal pouco
importa para atitudes daqui a um milhão de Anos, no fundo não posso negar de
viver o presente, este argumento não dá ao homem condição de afirmar que a vida
é absurda.
[4] Há um Aforismo de Nietzsche, Em O Andarilho e sua Sombra
aforisma, 306 que diz: “perder-se a si mesmo – uma vez que se tenha encontrado
a si mesmo, é preciso saber. De tempo em tempo, perder-se – e depois reencontrar-se
(...) (NIETZSCHE,1991 p.106).
[5] Nesta pesquisa não se abordou nenhuma obra de teatro que
Camus, tanto produzio, mas nota-se que o conhecimento do corpo e o conceito de
corpo. É algo que ele vivenciou, e representou, está também presente em seus
escritos.
[6] Na classificação no livro Teoria da Literarura, Silva, na
página 771, classifica como uma narativa de Focalização autodiegética, que na
explicação do autor, é quando num romance o narrador é em primeira pessoa, mas
traspassa também o estado mental das outras personagens, neste estudo literário
estrangerio de Albert Camus, é louvado como uma exepiconal criação do gênero.
“O paradoxo técnico da narração de Camus é ser falsamente introspetcivo”
(SILVA, 2007, p.771).
[7] O Homem revoltado é um ensaio filosófico escrito por Albert Camus e publicado em 1951, seu escrito mais sistemáticos. O
homem ciente de que a vida é Absurda, sua dimensão ética é colocada como
questão de enfretameno diante da vida. Mas que neste estudo não será
possível abarcar toda esta problemática.
[8] A Peste é um dos romances fundamentais para conhecer de
maneira literária, a atmosfera do que Camus quer dizer, não só para o
individuo, mas para uma coletividade. É o absurdo dentro do âmbito social. Mas
este ensaio limita-se a apontar para esta obra. Pois sua temática abrange
outros conceitos, como por exemplo, assassinato e revolta e situação jurídica,
um segundo eixo da obra de Albert Camus.
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